O encontro com a saúde mental: uma perspectiva ético-estética do cuidado
The encounter with Mental Health: an ethical-aesthetic perspective of care
Publication year: 2016
A formulação de uma nova caminhada para o cuidado em saúde mental está sendo estruturada com base na evidenciação do sujeito e na construção de um sistema que viabilize alternativas adequadas ao vivenciar humano na dimensão cidadã e que supere a lógica tradicional do diagnóstico e tratamento previamente estabelecido segundo abordagens expertises. Este é um desafio que está colocado para os trabalhadores da saúde que buscam respaldar suas práticas em teorias objetivantes e protocolos bem estabelecidos na procura pela segurança de se ter um papel definido e garantido. O risco que se corre nesta dimensão “segura” encontra-se na contramão que se insere em relação à necessidade do cuidado individual, sobretudo, no campo da Saúde Mental. Dentre os desafios colocados à rede de Atenção Psicossocial no cenário contemporâneo, este trabalho propôs potencializar a construção do conhecimento a partir do reconhecimento das singularidades dos usuários para complexificar o olhar sobre o cuidado através de um discurso menos reducionista da vida. A partir do problema disparador, esta pesquisa teve como objeto de estudo “o encontro com o usuário no âmbito da Atenção Psicossocial”. Considera-se a noção de encontro pelo referencial da esquizoanálise como algo que é resultante da afetação dos corpos, em detrimento da indiferença.
Os objetivos do estudo foram:
Experimentar a pesquisa por meio da análise de implicações do pesquisador como legitimação dos afetos na produção de conhecimento; Avaliar a produção de cuidado a partir do regime ético-estético; Produzir sentidos para o encontro com a Saúde Mental a partir das singularidades dos usuários. Evitou-se enrijecer o processo da pesquisa; ao contrário, procurou-se caminhar junto com as mobilizações e potências, dificuldades, elaborações e propostas a cada momento. A partir da experimentação da pesquisadora no campo de pesquisa junto aos usuários do Centro de Atenção Psicossocial, o estudo trouxe a produção de dados sobre o cuidado a partir das produções dos encontros com os usuários. Propôs-se experimentar novos sentidos e olhares através da pesquisa em sua perspectiva estética, ressaltando-se a multiplicidade do ser que sente, pensa e age a partir das noções de diferença e singularidade, buscando recolher alguns efeitos dos encontros na pesquisa provocados nos participantes e em mim, a partir das interferências e dos encontros na pesquisa. O cerne das minhas considerações finais está no movimento, nos fluxos, e não em uma resposta com ponto final. Desta forma, não justifiquei ou legitimei neste estudo um conhecimento a respeito do cuidado, mas sim busquei (re)inventar, junto aos usuários co-pesquisadores uma noção de cuidado sob o prisma da diferença, da multiplicidade, e não da unificação ou totalização. Na produção dos dados emergiram intercessores para o encontro com a saúde mental e foram discutidas experimentações que apontaram para as ações da Rede de Atenção Psicossocial sob uma nova pensabilidade, a qual força a produção do cuidado em sua perspectiva imanente, em detrimento de perspectivas capitalísticas da totalização das formas do cuidado junto à pessoa portadora de transtorno psíquico grave. O tema da escuta foi algo que se produziu no estudo como algo que requer uma clínica menor para utilizarmos a plasticidade equilibrando-nos entre o extremo da surdez, o canto da sereia e o extremo da música gritante, para dar passagem às singularidades dos usuários. A partir dos dados produzidos na experimentação dos encontros no presente estudo, proponho para estudos futuros para a Saúde Mental uma “Produção do cuidado Órgão-sensível”. Para superar a sobrecodificação das singularidades, devemos utilizar um movimento de produção de cuidado pela diferença: rizoma e não somente arborescência. Há que se compor a transversalidade rizoma-decalque nas ações da Atenção Psicossocial. O decalque instituído preservará os “órgãos” minimamente necessários. Mas, este “órgão” não será totalitário ou fascista se houver a composição com vertentes rizomáticas, as quais colocarão os “órgãos” em função da promoção da vida e não do organismo, à medida que são nômades, espontâneas, abertas à multiplicidade. Assim, aponta-se que há a necessidade de articularmos elementos da Saúde Mental com a perspectiva do cuidado pela diferença, e não apenas por referências teorizantes especulativas produtoras do achatamento produtivo-desejante dos encontros. Além disto, a partir das singularidades destacadas nos dados desta pesquisa, recomenda-se que estudos futuros adentrem também especificamente a ciência da enfermagem utilizando-se por dentro dela as noções de plasticidade e de rizoma como máquinas de guerra que adensem o tema da prática da enfermagem em saúde mental. A partir da convivência com estas pessoas que foram co-pesquisadoras, aponta-se, em algumas situações, que a loucura nem mesmo deva estar instituída obrigatoriamente como tema da psiquiatria, o que nos aponta a antipsiquiatria como um caminho possível e necessário para as reflexões na RAPS. Nesta perspectiva, a RAPS se desinstituir-se do poder que ainda possui e exerce na vida das pessoas – apesar da sociedade moderna ainda preferir que o louco esteja nos serviços e lugares instituídos especificamente para ele e que os demais modos de vida e saúde não pertencem a ele – significará para a RAPS a possibilidade de sustentar a proposta da desinstitucionalização da loucura: libertá-la
The formulation of a new pathway for mental health care is being structured based on the evidence of the subject and on the construction of a system that allows adequate alternatives to the human experience in the citizen dimension and that surpasses the traditional logic of diagnosis and treatment previously established according to approaches. This is a challenge for health workers who seek to support their practices in objectifying theories and well-established protocols in the search for the security of having a defined and guaranteed role. The risk that runs in this "safe" dimension is contrary to the need for individual care, especially in the field of Mental Health. Among the challenges posed to the network of Psychosocial Care in the contemporary scenario, this work proposed to potentialize the construction of knowledge from the recognition of the singularities of the users to complexify the look about care through a less reductionist discourse of life. From the triggering problem, this research had as object of study "the encounter with the user in the scope of Psychosocial Attention". The notion of encounter by the frame of schizoanalysis is considered as something that results from the affectation of the bodies, to the detriment of indifference.