Para além do desfecho: a violência física doméstica contra o escolar como processo social e como questão da saúde coletiva

Publication year: 1999

Este trabalho tomou como objeto de estudo a expressão da violência física doméstica contra a criança em idade escolar e a produção da vida social. Teve como objetivo ampliar o conhecimento epidemiológico da ocorrência da violência física doméstica contra o escolar, fundamentado na contribuição dos campos disciplinares da Epidemiologia Crítica, da Geografia Crítica e da Teoria Crítica para explicar a violência familiar, no sentido de estruturar um conjunto de informações que possam favorecer o desenvolvimento de futuros projetos de intervenção que integrem ações coletivas sobre o tema em questão. O trabalho foi orientado por um modelo teórico explicativo que enfatiza as noções de hierarquia de autonomia relativa das categorias analíticas para o estudo do processo saúde-doença em diferentes classes sociais, à luz do conjunto de leis dos processos relacionados com a saúde-doença (leis gerais, leis causais, leis funcionais e leis estatísticas). Tomando a família como unidade amostral, foram colhidas informações, no período de setembro de 1998 a fevereiro de 1999, junto a uma amostra de 89 famílias de escolares que frequentam as duas primeiras séries do ensino fundamental da Escola Estadual Marilene Therezinha Longhin localizada em uma região periférica da cidade de São Carlos-SP. A partir de uma base teórico-metodológica-operacional que pré-define três grupos sociais homogêneos, foram levantadas informações sobre os processos sociais gerais, os processos sociaisintra-familiares e sobre as características singulares dos envolvidos, buscando localizar os processos determinantes e mediadores que poderiam se articular à violência física doméstica, além de informações acerca do momento da violência. Os dados, analisados pelo programa Epi-info-6, foram submetidos à análise descritiva e ao teste de interdependência qui-quadrado e, dada a sua natureza, trabalhou-se com níveis de significância de até 15%. Os resultados ) mostram que os processos sociais gerais, os processos sociais intra-familiares e as características singulares dos envolvidos, expressam-se diversamente no conjunto de famílias dos escolares estudadas (entre incluídos, precariamente incluídos e excluídos). Os grupos sociais diferenciam-se na intensidade com que as famílias que os integram manifestam a vitimação física do escolar levando a concluir que: 1) entre os excluídos, a violência física doméstica se engendra diante da supremacia da face cruel da família durante o processo de disciplinamento do escolar, mediada por forças destrutoras e negadoras dos padrões de relação familiar: neste grupo, a vitimação tem sexo - é masculina - não respeita a co-existência do aguerrimento e da afabilidade infantil e as irreverências nas relações entre irmãos, mas é controlada pela qualidade das relações familiares, expressa nas relações cordiais entre os adultos da família e pela memória afetiva da cuidadora traduzida pela não exposição à violência na infância. 2)entre os incluídos, a violência se engendra mesmo diante da supremacia da face protetora da família durante o processo de discilinamento do escolar; neste grupo, a vitimação não tem sexo, e é controlada pelos benefícios que representam a agregação de outros parentes na família, a manifestação de vínculos protetores entre os irmãos e os benefícios que o exercício do trabalho remunerado representam para a cuidadora.
This study took as object the domestic physical violence against school age children and the social life production. Its objective is amplify the epidemiological knowledge on the occurrence of domestic physical violence against school age children in order to organize a net of information that can contribute to the development of further collective health intervention projects. Oriented by the contribution of the different fields of knowledge - Critical Epidemiology, Critical Geography and Critical Theory - to explain familiar violence, and a theoretical model that emphasizes a relative autonomy of the categories used to study the health-illness process in different social classes. Empirical information about work/life and school children victimization was gathered from a sample of 89 families of children of two elementary school located in peripheral regions of São Carlos city - SP - Brazil. Social Homogeneous Groups were built on atheoretical-methodological-operational basis in order to characterize the general and the intra-familiar social processes and the individual characteristics looking for determinations and mediations that can be linked to domestic physicalviolence. Data were analyzed by EPI-info-6 and submitted to statistical tests with significance levels up to 15%. Results show that general and intra-familiar social processes and individual characteristics were differently expressed in the studied families (among included, badly included andexcluded). The social groups were different by the intensity of which they manifest the physical victimization.

The conclusions are:

1) among the excluded, the domestic physical violence is constructed during disciplinary process under a cruel face of the family and mediated by destructive and negative forces of familiar relationship. The victimization is masculine and it is controlled by the quality of the familiar relationship and by the affective memory of the caregiver not exposed to violence during childhood; 2) among the included, the violence is also constructed during the disciplinary process of the children even under a protective face of the family.

The victimization has no sex and it benefits from some factors as:

living with other relatives; having brothers and sisters protective relationships; working conditions of the caregivers.