Quotidiano de mulheres do semiárido nordestino que sofreram abuso sexual no contexto familiar
Publication year: 2015
O abuso sexual contra crianças e adolescentes é um problema complexo que transgride regras
morais e legais. Trata-se de uma vivência traumática que afeta o desenvolvimento emocional e
traz implicações que se prolongam por toda a existência. O objeto deste estudo foi a
compreensão de vivências cotidianas de abuso sexual intrafamiliar na infância e /ou
adolescência de mulheres. Seu objetivo foi compreender o quotidiano de mulheres que
vivenciaram o abuso sexual na infância ou adolescência no contexto familiar, defendendo a tese
de que compreender o abuso sexual sofrido na infância e/ou adolescência acentua a potência da
mulher para transfigurar o seu quotidiano no caminho de ser saudável, considerando que ao
expor o vivido de abuso sexual ela intensificará a força necessária para modificar o seu
quotidiano. Trata-se de um estudo de natureza metodológica qualitativa, embasado na
Sociologia Compreensiva e do Quotidiano, usando noções e pressupostos teóricos e da
sensibilidade de Michel Maffesoli; nós a consideramos apropriada para apreender a centralidade
subterrânea guardada no quotidiano de quem vivencia experiências traumáticas como o abuso
sexual. O campo do estudo foi a cidade de Petrolina, localizada no estado de Pernambuco, tendo
como cenário da coleta de dados um Centro de Referência de Atendimento à Mulher em
situação de violência. As participantes foram nove mulheres entre 18 e 53 anos. Os dados foram
coletados por meio de entrevista não estruturada e agrupados por afinidade, formando as
seguintes conjunções: “O vivido silencioso: do oculto à revelação do abuso sexual” e
“Imergindo no quotidiano de mulheres abusadas sexualmente na infância ou adolescência”. Os
resultados apontaram para a ritualização do abuso sexual no quotidiano familiar, com as formas
de resistência, o senso do limite das participantes expresso em sentimentos e diferentes pontos
de tolerância e suas redes de interação social. Concluímos que a vivência de abuso sexual
rompeu o ritmo natural da vida, afetando a convivência familiar, de forma que as lembranças
ficaram armazenadas na memória das participantes, produzindo repercussões que se
potencializaram, causando nelas prejuízos emocionais que perduram e se estendem por toda a
vida. Elas se mostraram conscientes da interferência da vivência trágica de abuso sexual e
buscaram afrontá-la com criatividade para transfigurar o quotidiano, de modo a dar seguimento
aos seus projetos de vida, na tentativa de ser saudáveis. O abuso sexual no contexto familiar
rompe o imaginário de família como garantia de segurança, compromete as relações familiares
e leva ao adoecimento, alertando para a necessidade de um olhar atento para diversos
transtornos em mulheres/crianças e adolescentes, considerando que estes podem estar
associados a vivências de abuso sexual, suscitando um cuidar transdisciplinar amparado na
solidariedade e na razão sensível, com atenção cuidadosa de enfermeiras, da equipe de saúde e
de profissionais de redes de apoio social a mulheres, crianças e adolescentes em situação de
violência, de forma que a presente construção é útil como referencial teórico a ser explorado na
perspectiva transdisciplinar, instrumentalizando também a academia na formação de futuros
profissionais. (AU)