Publication year: 2011
Observações empíricas relacionadas à formação de enfermeiras e às práticas de cuidado, bem como pesquisas nesse campo têm mostrado que tanto nas escolas formadoras de profissionais como nas redes de atenção à saúde, o enfoque do cuidado ainda se apresenta orientado pelo modelo tradicional de saúde, instrumentalizado e normativo. Tais observações apontam dificuldades no uso da palavra ‘sexualidade’ pelas enfermeiras que se afastam da questão envolvendo-a em um discurso biologicista que não permite uma escuta sensível em torno de um assunto que se apresenta ainda hoje como um tabu, algo muito velado e de certa maneira ainda proibido. Partiu-se do pressuposto de que a subjetivação pela sexualidade orientada por ideologias de gênero mantém estreita relação com os discursos dominantes que interditam a sexualidade e atravessam a construção da identidade profissional de enfermeiras. A reprodução desse modelo dificulta as práticas de cuidado na interface com a sexualidade, o que faz com que as permanências se sobreponham às mudanças na formação e na prática de enfermeiras.
O estudo teve como objetivos:
conhecer, por meio dos discursos de enfermeiras, aspectos do processo da subjetivação pela sexualidade, ao longo da construção identitária como mulheres e enfermeiras e sua relação com as práticas de cuidado; analisar a interseção entre sexualidade e cuidado de enfermagem enquanto prática social e identificar rupturas /ou permanências na interdição da sexualidade nas concepções sobre o cuidado de enfermeiras de diferentes gerações. Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa tendo como referencial teórico a Teoria Feminista do Ponto de Vista e gênero como categoria analítica. Foi desenvolvido junto a nove enfermeiras de Barbacena- MG, que concluíram o curso entre 1979 e 2002. A produção do material empírico foi realizada pelo inquérito por histórias de vida e analisado por meio da análise de discurso crítica (ADC). As enfermeiras evidenciaram em seus discursos que a educação tradicional recebida durante a infância e adolescência é marcada por ideologias de gênero que interditam a sexualidade feminina. Essa formação predispõe à aceitação da interdição da sexualidade presente nas escolas de Enfermagem, o que provoca a interseção entre sexualidade e cuidado. Esta perspectiva na formação implica em dificuldades na abordagem sobre a sexualidade na prática profissional, tanto no cuidado prestado nos hospitais, como na saúde comunitária. Predomina uma visão de senso comum, na maior parte das vezes, colocada na perspectiva biológica do sexo, havendo dificuldade em falar ou pensar a sexualidade na relação com o cuidado. Assim, a sexualidade no discurso das enfermeiras é fortemente marcada pelo dispositivo que a cerceia e tal cerceamento implica em lugares sociais de relações desiguais de poder. Nesse aspecto, a articulação de gênero como categoria analítica com a perspectiva feminista na formação e nas práticas de cuidado torna-se importante para promover a autoconsciência e construir uma posição política e cidadã. Os resultados confirmaram o pressuposto, levando-nos a concluir que a educação profissional de enfermeiras, deve abordar a sexualidade humana a partir da perspectiva feminista, como componente importante da saúde integral, em um século que já nasceu preocupado com os direitos sexuais.(AU)