Padecendo a perda da espontaneidade da ação: o desconforto vivenciado por homens que sofreram infarto agudo do miocárdio
Undergoing loss of spontaneous action: the discomfort experienced by men having suffered acute myocardial infarctation

Publication year: 2000

Sendo a promoção do conforto uma das metas centrais da enfermagem, e considerando que conforto e desconforto devem ser entendidos como estados subjetivos, à luz das interações vivenciadas pelo paciente ao longo de sua trajetória de doença e tratamento - e, portanto, vinculadas aos fatores objetivos das instituições, da racionalidade e práticas que as fundamentam - este estudo visou investigar a experiência de conforto na perspectiva do Interacionismo Simbólico, empregando a metodologia da Teoria Fundamentada nos Dados. As entrevistas com treze homens que sofreram infarto agudo do miocárdio (IAM), feitas em duas unidades (uma pública e uma privada) de tratamento localizadas em São Paulo foram analisadas segundo esta metodologia, com o objetivo de compreender as situações vivenciadas por homens com IAM, por eles definidas como conforto ou desconforto, e desenvolver um modelo teórico que descrevesse esses significados nessa experiência. O processo psicossocial básico correspondente é descrito como composto por três fenômenos que traduzem, essencialmente, uma vivência permeada pelo desconforto: 1) Tendo uma ruptura com a vida cotidiana, provocada pelo aparecimento de sintomas ou pela irrupção do infarto, os homens se vêem desprovidos do fluxo de ação espontâneo característico da vida cotidiana, experenciando a perda do controle da própria existência e demandando socorro médico. Internados para tratamento, da interação com anorma médica resulta o segundodesconforto marcante da experiência, referido como a condição de paciente infartado: imobilizados, isolados, impossibilitados de agir e fazer escolhas, com medo de morrer, deixam a condição de sujeito do cotidiano, 2) Tendo a identidade pessoal suspensa. À medida que se recuperam, vêem atenuarem-se as restrições à ação, referindo como situações de conforto o alívio da dor e as possibilidades de interação intersubjetiva, que os deslocam da condição de paciente para ) a pessoa. Ao deixar o hospital pela primeira vez, tentam reviver o cotidiano anterior ao infarto, confrontam-se com as próprias limitações e, mais cedo ou mais tarde, sofrem o retorno da doença e a re-hospitalização. Nessa terceira fase do processo, vão 3) Reapropriando-se da identidade pessoal carregando as marcas do infarto, reconhecendo, não sem relutância, a impossibilidade da ação espontânea de antes frente aos limites que agora respeitam, buscando prolongar a vida. A categoria central que expressa o sentido do desconforto nas três fases da expriência é, pois, "Padecendo a perda da espontaneidade da ação": a doença gera o padecer que impede o ser espontâneo do cotidiano, substituindo-o pelo ser racional, regulado pelos imperativos da norma médica e pelos próprios limites, em função da sobrevivência. A reflexão sobre essa experiência sugere um questionamento do modelo clínico de intervenção, apontando a possibilidade de a enfermagem atuar na prevenção secundária e propondoquestões para aprimorar a formação do enfermeiro.
Since providing comfort is a central aim of nursing, and considering that comfort and discomfort must be understood as subjective states, in the light of interactions experienced by the patient during illness and treatment - thus linked to institutions' objective factors, grounding rational, and practices -, this study aimed at inquiring on the experience of comfort through the Symbolic Interacionism approach and Grounded Theory methodology. Data collected by means of interviews with thirteen men who had suffered acute myocardial infarctation (AMI), made at a private and a public health units in the city of São Paulo, were analysed according to this methodology. The study purpose was to aprehend situations defined by men with AMI as comfortable or uncomfortable, and develop the corresponding theoretical model of the meanings of such experience. The basic psychosocial process found is made up by three phenomena, that describe an experience essentially pervaded by discomfort: by 1) Having a break with day-to-day life, due to the onset of symptons or the stroke itself, the men are deprived of everyday-life action flow, experiencing loss of control over their own existence, thus resorting to medical help. Once in the hospital, from the interaction with the medical norm there results the second key discomfort, referred as the in-patient condition: isolated, motion-less, unable to act and make decisions, fearing death, the men withdraw from the condition ofeveryday-life subject, 2) Having personal identity suspended. While recovering, they welcome the growing flexibility of hospital rules, having recognised as comfortable situations the relief of pain and the opportunity to intersubject interactions, which displace them from the in-patient condition to that of subject. When leaving hospital for thr first time, they try to resume the same life as before the stroke, then face their own physical limits and sooner or (Continuing) later, fall ill again, returning to hospital. Along this third phase,they are 3) Recovering personal identity bearing the stroke marks, reluctantly acknowledging the impossibility of former spontaneous action in the face of limits they now abide to, in an attempt to prolongate life.

The central category that expresses discomfort meanings through the three phases of the experience is Undergoing the loss of spontaneous action:

the illness generates hindrances that prevent spontaneous being in day-to-day life, that is replaced by rational being, ruledby medical prescriptions and by his own limits, in order to survive. Reflection on this experience suggests questioning the clinical model of treatment, points to secondary prevention as a further scope of action for nurses, and raises issues to enhance nurse education.