Violência de gênero e necessidades em saúde: limites e possibilidades da estratégia saúde da família
Gender violence and health needs: limitations and possibilities of the Family Health Strategy

Publication year: 2011

Estudo exploratório, com abordagem qualitativa, que teve como objetivo geral compreender os limites e as possibilidades avaliativas no que tange ao reconhecimento e enfrentamento de necessidades em saúde de mulheres que vivenciam violência no espaço de concretização das práticas da Estratégia Saúde da Família (ESF). Foi realizado em uma Unidade Básica de Saúde que opera sob a ESF em São Paulo (SP). Os dados foram coletados por meio de entrevistas em profundidade com vinte e dois profissionais de saúde que compõem as equipes multiprofissionais e com treze mulheres usuárias do serviço que vivenciaram situações de violência de gênero. As entrevistas foram gravadas, transcritas e submetidas à análise de discurso. Os resultados foram analisados segundo as categorias analíticas gênero, violência de gênero e necessidades em saúde. Os resultados revelaram a violência enquanto problema que tem interfaces com o processo saúde doença das mulheres. Entretanto, o fenômeno raramente aparece enquanto uma demanda imediata sendo expressiva como demanda implícita e submersa em outras queixas. Houve o reconhecimento de necessidades relacionadas às condições de vida e o contexto de exclusão social do território; necessidades que remetem à autonomia; medicalização das necessidades em saúde revelando a dicotomia mente-corpo no trabalho em saúde; e necessidades relacionadas à escuta e à criação de vínculos enquanto possibilidade de fortalecimento das mulheres que vivenciam violência. A práticabiologicista, ainda hegemônica, limita o campo de ação das práticas profissionais, levando usuárias e profissionais a não reconhecerem os serviços de saúde enquanto possibilidade de apoio e enfrentamento da violência. A medicalização foi constatada enquanto a limitação mais significativa das práticas profissionais. As possibilidades relacionadas ao vínculo propiciado pela lógica de atenção instaurada com a ESF encontram-se ainda cerceadas pelas limitações do modelo biomédico e a ausência de tecnologias específicas para lidar com a violência. Concluiu-se que é premente o reconhecimento da violência enquanto problema cuja atenção deve ser inerente aos serviços de saúde, assim como a tradução das demandas trazidas pelas mulheres nas necessidades que a produziram. O reconhecimento dessas necessidades pressupõe ainda considerar a violência e a subalternidade de gênero como generativos desse processo. O trabalho que qualifica a atenção à saúde das mulheres em situação de violência deve superar o modelo biomédico de atenção, o que implica rever a prática profissional, posto que, na perspectiva da emancipação da opressão das mulheres, o saber crítico sobre as necessidades em saúde como conseqüência da situação de opressão que a abordagem de gênero encerra, constitui um de seus elementos, um dos instrumentos que deve orientar todo o trabalho das práticas profissionais nessa área.
The general objective of this exploratory study with a qualitative approach was to understand the limitations and possibilities of the Family Health Strategy (EFS) to recognize and meet the health needs of women experiencing violence. The study was carried out in a Primary Health Care Unit working within the ESF in São Paulo, SP, Brazil. Data were collected through in-depth interviews with 22 health professionals who compose the multidisciplinary teams and with 13 women who use the service and had experienced violence. Interviews were recorded, transcribed and submitted to discourse analysis. The results were analyzed according to analytical categories of gender violence and health needs. The results revealed that violence is an issue that interfaces with the womens health-disease continuum, although the phenomenon rarely appears as an immediate demand; it rather emerges as an implicit demand underlying other complains.

The following was identified:

needs related to living conditions and the context on social exclusion; needs related to autonomy; medicalizalization of health needs revealing a dichotomy between body-mind in health care delivery; and the need related to active listening and the establishment of bonds as an alternative to empower women experiencing violence. The biologicist practice is still predominant and limits the field of actions of professional practices, hindering users and professionals the possibility to recognize health services as a space where toseek support to cope with violence. Medicalization was identified as the most significant limitation of professional practices. The possibilities related to bonds enabled by the logic of care delivery established within the ESF are still surrounded by the limitations of the biomedical model and the absence of specific technologies to deal with violence. We conclude that acknowledging violence as a problem whose care should be inherent to the health services is urgent as well as the need to translate the demands of these women into the needs that produce them. Acknowledging these needs requires considering violence and gender subordination as elements that generate such a process. The work that qualifies care delivered to women experiencing violence should overcome the biomedical model. It implies a review of professional practices since, from the perspective of emancipation of womens oppression, critical knowledge concerning health needs as a consequence of oppression implied in gender approach, constitutes one of the instruments that should guide the work of professional practice in this field.