As vivências dos enfermeiros na catástrofe dos incêndios florestais de Pedrogão Grande
Publication year: 2020
ortugal não é considerado um país de grande risco de ocorrência de calamidades, mas quando acontecem podem atingir grandes proporções, como aconteceu nos incêndios florestais em Pedrógão Grande. A literatura descreve que uma catástrofe dá-se quando o afluxo intenso de vítimas, associado à destruição de toda a ordem, se traduz na dificuldade de exercer “a medicina de massas”, pela desproporcionalidade entre recursos humanos e materiais de socorro e vítimas a socorrer. O trabalho em contexto de catástrofe requer a mobilização de uma panóplia de competências técnicas, científicas e humanas, construindo um constante desafio para os profissionais de saúde, nomeadamente para o enfermeiro. Neste contexto, emergiu o interesse em estudar a realidade portuguesa neste domínio específico de intervenção, na catástrofe dos incêndios florestais em Pedrógão Grande. Assim, delineamos como objetivo geral deste estudo compreender as experiências vivenciadas pelos enfermeiros que tiveram intervenção na catástrofe dos incêndios florestais em Pedrogão Grande. Pretendemos contribuir para uma melhoria da intervenção dos profissionais em situações idênticas e minimização das suas repercussões quer nas pessoas afetadas, quer nos enfermeiros, tanto a nível pessoal como profissional. Tendo em conta o objetivo do estudo, a opção metodológica orientou-se para uma abordagem qualitativa recorrendo a um estudo descritivo, transversal com características fenomenológicas. Para a recolha de dados utilizou-se a entrevista semiestrutura a dez enfermeiros que tiveram intervenção nos dois primeiros dias da referida catástrofe, selecionados com recurso à técnica “bola de neve”, analisando-se a informação pelo método de análise de conteúdo proposto por Giorgi e Sousa (2010). Foram cumpridos os preceitos éticos necessários para a realização de um estudo de investigação.
Da análise dos dados emergiram nove áreas temáticas:
o significado atribuído à experiência; sentimentos / emoções vivenciadas pelos enfermeiros; factores facilitadores e dificultadores que interferiram na sua intervenção; necessidades sentidas durante a intervenção; implicações desta experiência para estes profissionais quer na vida pessoal quer na vida profissional; estratégias mobilizadas para lidar com a situação e sugestões de melhoria. Dos discursos produzidos pelos enfermeiros, foi possível identificar, um conjunto de significados atribuídos às experiências e sentimentos/emoções, sobretudo de índole negativa. Das dificuldades sentidas, estas incidiram maioritariamente a nível da organização, da falta de comunicações, da falta de experiência e de formação para atuar nestas situações excecionais. Mencionaram várias dificuldades associadas ao acesso ao local, como: o corte nos acessos, o desconhecimento da área (grande área geográfica) e falta de visibilidade devido ao fumo intenso. Relataram também, dificuldade em estabelecer prioridades e em gerir emoções, por inexperiência e défices de formação. As necessidades apontadas foram, sobretudo, ao nível de apoio emocional (durante e após a catástrofe) e da formação na área de catástrofe/ queimados. Verificou-se nos participantes uma grande perplexidade perante o fenómeno que vivenciaram e um discurso muito emotivo e repetitivo. Estes resultados sugerem que é importante valorizar de modo mais assertivo, que as catástrofes podem acontecer e implementar programas regulares de formação contínua na área da catástrofe, dos profissionais de emergência médica e de outros contextos de saúde, nomeadamente nos Cuidados de Saúde Primários, incluindo treinos regulares, assim como, providenciar apoio psicológico aos profissionais que intervêm no terreno. A falta de formação e de apoio psicológico pós-catástrofe apontam para a necessidade premente de um plano de catástrofe a nível nacional e regional adequado às novas realidades, com o objetivo de melhorar a organização/coordenação, quer dos meios como da intervenção, e munir os profissionais com ferramentas que permitam gerir a situação de catástrofe da melhor forma.
Portugal is not considered to be a high risk country for calamities. But reviewing literature, when they occur they can be of huge proportions, as it did occur during the forest fires at Pedrógão Grande (PG). According to literature, a catastrophe occurs when the intense influx of victims related to the destruction of the whole surroundings explains the difficulty of exercising “mass medicine”, due to the disproportionality between human resources and relief materials and the victims to be helped. Working in disaster settings requires the mobilization of an array of technical, scientific and human competencies and skills promoting a relentless challenge for health professionals specifically nurses. It arose the opportunity to study Portuguese reality in this specific field of intervention, in the catastrophe of forest fires at Pedrógão Grande. In this sequence, the general objective of this study is to understand the experiences lived by nurses who had an active intervention in the catastrophe of forest fires at PG. Author intends to contribute to the improvement on the intervention of professionals and to minimize effects on affected people and nurses, both at personal and professional levels. Bearing in mind the objective of the study, the methodological option was oriented towards a qualitative approach using a descriptive transversal study with phenomenological characteristics. The data gathering was carried out through semistructured interviews counting on ten nurses who had intervened in the first two days of the referred catastrophe. For this purpose we used an intentional sampling through the “snowball” technique. For the analysis of collected information we used the content analysis based on the method proposed by Giorgi and Sousa (2010). The ethical formalities for carrying out the study were completed. From the analysis of the results, a set of thematic areas emerged, among which: the meaning attributed to the experience; the feelings/emotions experienced by the nurses; facilitating and hindering factors; the needs felt; implication in both personal and professional life; suggestions for improvement and strategies used to deal with the whole situation. From the speeches produced by nurses, taken by interview, it was possible to identify a set of meanings attributed to experiences and feelings/emotions mainly negative. The difficulties listed were mostly felt at the level of the organization, the lack of communications, and the lack of experience and training acting on these scenarios. The needs highlighted were mostly in terms of emotional support (during and after the catastrophe) and the lack of training regarding catastrophe and burns’ patients. There was a great perplexity amongst participants regarding the phenomenon they experienced and author acknowledged a very emotional and repetitive discourse during interviews. Panoply of difficulties emerged associated with access to the site, namely, the cut in access, the lack of knowledge of the geographical area / large geographical area, and lack of visibility due to surrounding smoke. They also reported difficulty establishing priorities and managing emotions, they attribute to the lack of experience and training. These results suggest that it is important to implement, among other measures, strategies to promote continuous training on the area of catastrophe, including regular training, as well as psychological support for professionals who intervene on this context, including both professionals of the emergency system and primary health care. The lack of training and post-catastrophe psychological support pinpoints the rapid need for a catastrophe plan at a national and regional levels, tailored to the current needs, and aimed to improve managing/coordination, and giving professionals tools to better manage future catastrophic scenarios.