Internação em hospital psiquiátrico: o (des)caminho para vivência do cotidiano e da inserção social

Publication year: 2005

A inquietação inicial deste estudo se refere à decorrência/percepção de um ciclo de reinternações dos pacientes, que contradiz a Reforma Psiquiátrica em implementação no país e aos pressupostos da Reabilitação Psicossocial. Para entender este fenômeno, procurou-se analisar o cotidiano do doente no período entre internações em um hospital psiquiátrico, a trajetória percorrida por essas pessoas, como conseguiram organizar suas ocupações, sua forma de tratamento, sua vida. Para realizar esta análise foi necessária uma revisão teórica sobre a constituição histórica das práticas em saúde mental, sobre o significado do manicômio para a sociedade e para o paciente. Foi utilizada a metodologia qualitativa e optou-se por fundamentar esta investigação no conceito de cotidiano da autora Agnes Heller, que realiza uma análise crítica do real, oferecendo um alicerce para o conhecimento da atividade prática social dos sujeitos históricos concretos. A concepção de cotidiano de Heller fundamenta-se na proposta dialética marxista, que pressupõe que nada que existe é eterno, absoluto; a vida humana está sujeita a transformações, está em constante mudança e construção. Assim, ao empregar os conceitos de cotidiano de Heller, para fundamentar teoricamente esta pesquisa, fez-se uma aproximação ao referencial do materialismo histórico - dialético. Como categoria analítica, nesta investigação, foi utilizado o conceito de Reabilitação Psicossocial, que representa um conjunto de meios, programas e serviços, que procura facilitar a vida de pessoas com transtornos mentais, pretendendo maximizar oportunidades de recuperação de indivíduos e minimizar os efeitos desabilitantes da cronificação das doenças (Pitta, 2001). A pesquisa foi desenvolvida num hospital psiquiátrico da cidade de São Paulo, a partir de entrevistas com pacientes e seus familiares. Foi possível perceber que mesmo quando o paciente não está internado, muitas vezes, ele continua a ser excluído. Se a ideologia manicomial está instaurada na sociedade, ela ultrapassa os muros do manicômio, passa a ser concretizada nas relações do paciente mesmo quando ele está fora da internação, na comunidade. Porém, constatou-se no cotidiano da população entrevistada, que o doente mental, tanto é considerado como perigoso e incapaz - sendo excluído - como, por outro lado, busca formas de se inserir na sociedade a partir do convívio com a família e das atividades que realiza. Observando o cotidiano desta população com uma lupa, nas pequenas coisas da vida, é possível perceber ocupações que são produção de sentido, e se desvela um cotidiano que pulsa para construir uma vida neste mundo compartilhado, procurando a produção de alternativas. Transformar a vida cotidiana e mudar as visões de mundo caminha junto, entrelaçado. Da mesma forma que é no cotidiano que se absorvem valores e uma visão de mundo, se muda a visão de mundo, o cotidiano se transforma; o inverso também.
This study's initial inquiry is related to the perception of a cycle of patient re-admissions that goes against the Psychiatric Reform that takes place in Brazil as well as the directives of Psychosocial Rehabilitation. In order to understand such phenomenon, the patient daily life between admissions to a psychiatric hospital was under analysis. For instance, the kind of treatment the person went through outside the hospital, how they manage to organize their activities, their occupation and the different aspects of their lives. As to support the analysis, it was necessary to carry a review of the historical practices in mental health, the meaning of asylum to society and to the patient. The qualitative methodology was used for that purpose and the research was based on Agnes Heller's concept of daily life. The author carries a critical analysis of reality, offering a foundation to acknowledge social practical activity of concrete historical subjects. Heller's Daily life concept is based on the Marxist dialectic proposition, which presents that nothing has an eternal existence; human life is subject to transformation, it is under constant change and building. Therefore, once Heller's concept of daily life is applied as the theoretical basis of the research, an approach to references of the historic-dialectic materialism took place. As far as analytic category is concerned, the research used the concept of Psychosocial Rehabilitation, which represents an ensemble of means, programs and services that should make easier the living for people with mental disruptions. It intends to maximize recovery opportunities and minimize the effects of chronicle diseases (Pitta, 2001). The research was developed at a psychiatric hospital in São Paulo, as from interviews with patients and their families. That made possible to evidence in many different situations that even when the patient is not interned, he still is excluded. If asylum ideology is inserted in society, that means it passes over the walls of such institutions and becomes part of the patient relationships in the community.