Análise dos atendimentos a mulheres em situação de violência pelo parceiro íntimo em uma unidade hospitalar
Publication year: 2021
A violência contra as mulheres, em particular a violência pelo parceiro íntimo (VPI), constitui-se em grave problema de saúde pública e de violação dos direitos humanos das mulheres. A VPI compreende agressão física, coerção sexual, abuso psicológico e comportamentos controladores sobre as mulheres por parte de um(uma) parceiro(a) ou ex-parceiro(a), resultando em danos físicos, sexuais ou psicológicos, entre outros. Em relação à violência física, reconhecidamente um fenômeno cíclico, esta envolve qualquer conduta que ofenda a saúde ou a integridade corporal das mulheres, até o feminicídio – assassinato de mulheres em razão do gênero. Dessa forma, revisões de registros hospitalares permitiria dimensionar o impacto da VPI na saúde das mulheres, conhecimento acerca da necessidade de cuidados de saúde em serviços de urgência e emergência associados a esse tipo de violência, capazes de caracterizar a natureza complexa do tratamento e alto custo às mulheres, aos serviços/sistema de saúde, às comunidades e à sociedade. Conhecer as características da agressão, do relacionamento entre mulher e perpetrador, da demanda potencial de atendimento de urgência e emergência hospitalar e as consequências à morbimortalidade das mulheres, às instituições e sistema de saúde, faz-se necessário para compreender o dano real, com vista a esforços de prevenção, assistência e intervenções adequadas. O estudo teve por objetivo conhecer o panorama do atendimento a mulheres agredidas fisicamente pelo parceiro íntimo em um hospital público de grande porte referência em urgência e emergência. Trata-se de um estudo transversal, descritivo e com abordagem clínica, que analisou os prontuários de 205 mulheres, com 15 anos ou mais, atendidas devido a situação de violência pelo parceiro. Analisou-se o período de 2016 - marco dos 10 anos da Lei Maria da Penha - a 2019, contemplando variáveis sociodemográficas, relativas ao episódio da agressão, os cuidados hospitalares, as complicações e o desfecho. Os dados foram submetidos à análise descritiva, utilizado o programa Stata®, com apresentação em dois momentos distintos: dados sociodemográficos, relativos à violência e ao atendimento no pronto socorro de todas as mulheres atendidas; e os dados relativos à assistência àquelas que necessitaram de internação hospitalar. Mulheres jovens foram mais vulneráveis à violência por parceiro íntimo, 72,68% com menos de 40 anos e incluiu menores de 18 anos (4,39%), e 44,39% possuíam alguma comorbidade, principalmente acometimentos psiquiátricos (56,04%). Mulheres que não trabalhavam (23,90%) ou com trabalho informal (29,76%), casadas ou em união estável (54,63%), com filhos com o agressor (60,31%) foram mais acometidas, sendo a residência o espaço mais frequente da violência (68,78%) e 48,29% consistiam em casos de reincidência. Prevaleceu agressão direta ou espancamento (46,34%), além do uso adicional de objetos perfurocortantes e contusos (54,63%), com ferimentos na face (41,95%), cabeça (39,02%) e membros superiores (33,66%). Houve mulheres queimadas (9,27%), maioria grande queimada (63,16%). Prevaleceu à classificação de risco prioridade muito urgente/laranja (65,25%), atendidas por especialidade de cirurgia geral e do trauma (67,80%). Em 69,76% dos casos não houve registro à admissão de se tratar de agressão por parceiro, evidenciado posteriormente em abordagem multiprofissional, e 49,76% das mulheres demandaram internação; 69,61% cirurgia(s); 26,47% terapia intensiva; e 60,78% apresentaram alguma complicação. Como desfecho, prevaleceu a alta hospitalar (88,29%), com consultas de retorno (71,58%), reinternação (14,74%) e ocorreram oito óbitos (3,90%), com 50% dos óbitos no último ano (2019). A análise dos atendimentos possibilitou identificar que mulheres agredidas pelo parceiro demandam uma série de cuidados e atendimentos especializados, urgentes e emergentes, com cuidados críticos e invasivos, configurando a magnitude da violência sofrida pelas mulheres, o que reforça o impacto deletério das relações de gênero e as reais consequências nefastas da VPI às mulheres, em sua saúde e sua vida, impactando toda a sociedade. Ao retratar a magnitude da VPI, esse estudo pode contribuir para maior visibilidade do problema, abordagem adequada dos casos nos serviços hospitalares por equipes multiprofissionais para além do tratamento das lesões físicas. Destaca-se a importância das instituições hospitalares referência em atendimento de urgência e emergência como local de detecção dos casos de violência, acolhimento, tratamento, cuidado e um dos pontos de composição da rede intersetorial para o enfrentamento e rompimento do ciclo de violência, sua escalada de gravidade e a prevenção de feminicídios. Os resultados do estudo corroboram a necessidade de investimento e aprimoramento de estratégias, dispositivos e ferramentas para a abordagem desse complexo problema de saúde pública.
Violence against women, particularly intimate partner violence (IPV), constitutes a serious public health problem and a violation of women's human rights. IPV comprises physical aggression, sexual coercion, psychological abuse and controlling behaviors towards women by a partner or ex-partner, resulting in physical, sexual or psychological harm, among others. In relation to physical violence, admittedly a cyclical phenomenon, it involves any conduct that offends the health or bodily integrity of women, up to femicide – murder of women due to their gender. Thus, reviews of hospital records would allow us to measure the impact of IPV on women's health, knowledge about the need for health care in urgent and emergency services associated with this type of violence, capable of characterizing the complex nature of the treatment and high cost to women, services/health system, communities and society. Knowing the characteristics of the aggression, the relationship between the woman and the perpetrator, the potential demand for urgent and emergency hospital care and the consequences for the morbidity and mortality of women, the institutions and the health system, is necessary to understand the real harm, with a view to prevention efforts, care and appropriate interventions. The study aimed to understand the panorama of care for women physically attacked by an intimate partner in a large public hospital that is a reference in urgent and emergency care. This is a cross-sectional, descriptive study with a clinical approach, which analyzed the medical records of 205 women, aged 15 years or older, who were assisted due to a situation of violence by their partner. The period from 2016 - the 10-year mark of the Maria da Penha Law - to 2019 was analyzed, considering sociodemographic variables related to the episode of aggression, hospital care, complications and the outcome. Data were subjected to descriptive analysis, using the Stata® program, with presentation at two different times: sociodemographic data, relating to violence and care in the emergency room of all women attended; and data related to assistance to those who needed hospitalization. Young women were more vulnerable to intimate partner violence, 72.68% under 40 years old and including those under 18 years old (4.39%), and 44.39% had some comorbidity, mainly psychiatric disorders (56.04%). Women who did not work (23.90%) or with informal work (29.76%), married or in a stable union (54.63%), with children with the aggressor (60.31%) were more affected, residence the most frequent place of violence (68.78%) and 48.29% consisted of cases of recidivism. Direct aggression or beating prevailed (46.34%), in addition to the additional use of sharp and blunt objects (54.63%), with injuries to the face (41.95%), head (39.02%) and upper limbs (33.66%). There were burnt women (9.27%), most of them high severity burnt (63.16%). The most urgent priority risk classification/orange prevailed (65.25%), attended by the specialty of general surgery and trauma (67.80%). In 69.76% of the cases there was no record on admission that it was aggression by a partner, which was later evidenced in a multidisciplinary approach, and 49.76% of the women demanded hospitalization; 69.61% surgery(s); 26.47% intensive care; and 60.78% had some complication. As an outcome, hospital discharge prevailed (88.29%), with return appointments (71.58%), readmission (14.74%) and there were eight deaths (3.90%), with 50% of deaths in the last year (2019). The analysis of the assistance allowed to identify that women assaulted by their partner demand a series of specialized, urgent and emerging care and assistance, with critical and invasive care, configuring the magnitude of the violence suffered by women, which reinforces the deleterious impact of gender and the real disastrous consequences of IPV for women, in their health and in their lives, impacting the entire society. By portraying the magnitude of IPV, this study can contribute to greater visibility of the problem, appropriate approach to cases in hospital services by multidisciplinary teams, in addition to the treatment of physical injuries. The importance of reference hospitals in urgent and emergency care as a place of detection of cases of violence, reception, treatment, care and one of the points of composition of the intersectoral network for confronting and breaking the cycle of violence, its escalation in severity and the prevention of femicide. The study results support the need for investment and improvement of strategies, devices and tools to address this complex public health problem.