Publication year: 2020
Introdução:
A adesão de um padrão alimentar não saudável pela população depende não só das características individuais (como psicológicas e sociais), mas também de características ambientais, que envolvem desde a acessibilidade ao local de compra e a disponibilidade do alimento, ate a exposição desse alimento nas mídias, e principalmente, suas políticas de preço. Considerando esse padrão não saudável como o principal determinante da epidemia de obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis, o atual Guia Alimentar para a População Brasileira recomenda priorizar o consumo de alimentos frescos (não processados ou minimamente processados) e evitar alimentos ultraprocessados do cotidiano da população. Entretanto, ainda não está claro se o cenário econômico brasileiro favorece essas recomendações e a adoção de uma dieta saudável. Objetivo:
Analisar os aspectos econômicos relacionados à adoção das recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira. Metodologia:
Trata-se de um trabalho ecológico com delineamento misto, envolvendo estudo de série temporal e estudos transversais. Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008/09) e do Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor (SNIPC), além do sistema de classificação de alimentos NOVA utilizado no Guia Alimentar para a População Brasileira, foram utilizados. No manuscrito 01, dietas isoenergéticas (2.000 kcal) foram otimizadas por modelos de programação linear no intuito de analisar o impacto econômico das recomendações do Guia no custo atual da dieta. Os modelos foram identificados não só ao atender as recomendações do Guia Alimentar (considerando a participação dos grupos alimentares) e preservar ao máximo a composição alimentar atual, mas também ao respeitar as restrições nutricionais (baseadas em recomendações internacionais) e os limites de aceitação alimentar na população. O impacto do Guia Alimentar foi analisado comparando-se o custo das dietas otimizadas com o da dieta atual, para a população total e de acordo com o nível de renda. No manuscrito 02, um índice de inadequação da composição dietética (IICD) foi calculado no intuito de analisar a influência do preço dos alimentos sobre a composição alimentar da dieta dos brasileiros. O IACD foi calculado a partir da participação (%) dos grupos de alimentos classificados no Guia, indicando a diferença na composição alimentar da dieta atual e da dieta recomendada (esta identificada no manuscrito 01). A influência do preço dos alimentos no IICD foi analisada por meio do modelo de regressão log-log. O modelo final foi ajustado por renda (R$) e características sociodemográficas. Todos os modelos foram desenvolvidos para a população total e de acordo com o nível de renda. No manuscrito 03, a série de preço real (R$/kg) dos alimentos mais consumidos no país (n=102) foi calculada no intuito de analisar a mudança do preço de grupos alimentares ao longo do tempo no Brasil. Dados sobre preço de alimentos e bebidas da POF 2008/09 foram utilizados para calcular o preço real ao longo do tempo (de janeiro de 1995 até dezembro de 2017), usando a variação mensal dos preços do SNIPC. O preço mensal médio de cada grupo e subgrupo alimentar foram calculados considerando a quantidade adquirida de cada produto. Modelos polinomiais fracionários foram empregados para sintetizar as mudanças dos preços, e para estimar o preço de cada grupo e subgrupo até dezembro de 2030. Resultados:
No manuscrito 01, o custo atual da dieta foi de R$3,37, menor entre as famílias de baixa renda (R$2,62) e maior entre as famílias de alta renda (R$4,17). Independentemente do nível de renda familiar, o custo da dieta e a parcela do orçamento alimentar foram diminuindo de forma gradativa ao atender as recomendações do Guia. Ainda assim, as famílias de baixa renda comprometem o orçamento duas vezes mais que as famílias de alta renda (20,20% vs 7,96%). No manuscrito 02, alimentos ultraprocessados responderam por 18,3% da dieta atual, enquanto alimentos não processados e minimamente processados responderam por pouco menos da metade das calorias. A otimização sugere valores para esses grupos de 9,1% e 69,4%, respectivamente, na dieta recomendada. Um aumento de 1,00% no preço de alimentos não processados ou minimamente processados aumentou o IICD em 0,76% (dieta menos saudável), enquanto um aumento de 1,00% no preço de alimentos ultraprocessados diminuiu o IICD em 0,70% (dieta saudável). A associação inversa entre preço de alimentos ultraprocessados e IICD permaneceu significativa apenas entre os estratos de baixa renda (-1,11%; p <0,05). No manuscrito 03, o grupo de alimentos ultraprocessados foi o mais caro (R$6,51/Kg), seguido pelos grupos de alimentos processados (R$6,44/Kg), e de alimentos não processados ou minimamente processados e ingredientes culinários processados (R$3,45/Kg) em 1995. Desde o início dos anos 2000, o preço dos alimentos ultraprocessados passou por sucessivas reduções, ficando mais baratos que os alimentos processados e reduzindo a distância entre eles e o preço do outro grupo. As previsões indicaram que alimentos não saudáveis se tornarão mais baratos que alimentos saudáveis em 2026. Conclusão:
A adoção de práticas alimentares mais saudáveis ainda pode ser realizada com o mesmo ou menor orçamento da dieta atual. Entretanto, se nada for feito, o preço dos alimentos no Brasil mudarão desfavoravelmente considerando as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira. A tributação de alimentos ultraprocessados e subsídios para alimentos não processados ou minimamente processados são alternativas para favorecer a adoção das recomendações do Guia Alimentar e melhorar a composição da dieta dos brasileiros.
Introduction:
Adherence to an unhealthy dietary pattern by the population depends not only on individual characteristics (such as psychological and social), but also on environmental characteristics, which range from accessibility to the place of purchase and availability of food, to the exposure of this food in the media, and mainly, its price policies. Considering this unhealthy pattern as the main determinant of the obesity epidemic and non-communicable diseases, the current Brazilian Dietary Guidelines recommends prioritizing the consumption of fresh foods (unprocessed or minimally processed) and avoiding ultra-processed foods from the population's daily life. However, it is still unclear whether the Brazilian economic scenario favors these recommendations and the adoption of a healthy diet. Objective:
To analyze the economic aspect related to the adoption of the Brazilian Dietary Guidelines. Methodology:
It is an ecological work with a mixed design, involving a time series study and cross-sectional studies. Data from the Household Budget Survey (2008/09 HBS) and from the National System of Consumer Price Indexes (NSCPI), besides that NOVA food classification system used in the Brazilian Dietary Guidelines, were used. In manuscript 01, isoenergetic diets (2,000 kcal) were optimized by linear programming models in order to analyze the economic impact of the Brazilian Dietary Guidelines on current diet cost. The models were identified according to Brazilian Dietary Guidelines (considering the share (%) of food groups) and in order to preserve current diet, beside that to respect nutritional constrains (based on international recommendations) and food acceptance limits (obtained direct in the studied population). The impact of the Brazilian Dietary Guidelines was analyzed by comparing the cost of optimized diets with that of the current diet, for the total population and according to income level. In manuscript 02, a Dietary Composition Inadequacy Index (DCII) was calculated in order to analyze the influence of food prices on the dietary composition from Brazilians. The DCII was calculated from the share (%) of the food groups according to NOVA, indicating the difference in the food composition of the current diet and the recommended diet (this identified in manuscript 01). The influence of food prices on the DCII was analyzed using the log-log regression model. The final model was adjusted by income (R$) and sociodemographic characteristics. All models were developed for the total population and according to income level. In manuscript 03, the series of real prices (R$/kg) of the most consumed foods in the country (n = 102) was calculated in order to measure change in price of food groups over time in Brazil. Data on price of foods and beverages from 2008/09 HBS were used to calculate real price over time (from January 1995 to December 2017), using the monthly variation in prices from NSCPI. The average monthly price of each group and subgroup were calculated considering the quantity purchased of each product. Fractional polynomial models were used to synthesize price changes, and to estimate the price of each group and subgroup by December 2030. Results:
In manuscript 01, current diet cost was R$3.37, lower among low-income families (R$2.62) and higher among high-income families (R$4.17). Regardless of income, diet cost and budget compromise decreased when approaching the Guidelines. Even so, the low-income families compromised the budget twice as much as high-income families (20.20% vs 7.96%). In manuscript 02, ultra-processed foods responded for 18.3% of the current diet, while unprocessed and minimally processed foods responded for slightly less than half of the calories. The optimization suggests values for these groups of 9.1% and 69.4%, respectively, in the recommended diet. A 1.00% increase in the price of unprocessed or minimally processed food increased the DCII by 0.76% (less healthy diet), while a 1.00% increase in the price of ultra-processed food decreased the DCII by 0.70 % (healthy diet). The inverse association between the price of ultra-processed foods and DCII remained significant only among the low-income strata (-1.11%; p <0.05). In manuscript 03, the group of ultra-processed foods was the most expensive (R$6.51/Kg), followed by the groups of processed foods (R$6.44/Kg), and of unprocessed or minimally processed foods and processed culinary ingredients (R$3.45/kg) in 1995. Since the early 2000s, the price of ultra-processed foods underwent successive reductions, becoming cheaper than processed foods and reducing the distance between it and the price of the other group. Predictions indicated that unhealthy foods will become cheaper than healthy foods in 2026. Conclusion:
The adoption of healthier eating practices can still be performed with the same or lower budget than the current diet. However, if nothing is done, the food prices in Brazil will change unfavorably considering the Brazilian Dietary Guidelines recommendations. Taxation of ultra-processed foods and subsidies for unprocessed or minimally processed foods are alternatives to favor the adoption of the Brazilian Dietary Guideline and to improve the dietary composition of the Brazilians.