Efeitos do controle glicêmico intensivo pós-operatório sobre a incidência de infecção do sítio cirúrgico entre receptores de transplante de fígado: um ensaio clínico controlado randomizado
Effects of intensive blood glucose control on surgical site infection for liver transplant recipients: A Randomized Controlled Trial

Publication year: 2020

Introdução:

As evidências disponíveis na literatura científica a respeito dos efeitos do controle glicêmico intensivo como estratégia para prevenção de infecção do sítio cirúrgico (ISC) entre receptores de transplante de fígado são limitadas.

Objetivo:

Avaliar os efeitos de um protocolo intensivo de controle glicêmico pós-operatório, comparativamente a um protocolo institucional padrão, sobre a incidência de ISC entre receptores de transplante de fígado.

Método:

Ensaio clínico controlado randomizado, paralelo, composto por dois grupos, a saber: receptores de transplante de fígado submetidos ao controle glicêmico intensivo (CGI) (80-130 mg/dL) ou controle glicêmico padrão (CGP) (130-180 mg/dL), até o início da ingestão de alimentos pela via oral ou por cateter nasoentérico. O desfecho primário, ISC, foi avaliado até o 30o dia do pós-operatório. A avaliação foi realizada por um Comitê de Adjudicação cegado, adotando a definição estabelecida pelo Centers for Disease Control and Prevention. A análise dos dados foi realizada por intenção de tratar. As associações foram verificadas utilizando-se os testes Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher. As comparações entre médias ou medianas foram feitas por meio dos testes t de Student ou de Mann-Whitney, a depender do atendimento aos pressupostos de normalidade segundo o teste de Kolmogorov-Smirnov. A comparação de médias de glicemia entre os grupos ao longo do tempo foi obtida por meio da Análise de Variâncias (ANOVA) com medidas repetidas. O nível de significância adotado foi de 5%. O número de registro do estudo no ClinicalTrials.gov é NCT03474666.

Resultados:

Dos 41 receptores de transplante de fígado inscritos para participação no estudo, 20 foram randomicamente alocados no grupo CGI e 21 no grupo CGP. As incidências de ISC foram semelhantes entre os grupos (CGI 3/20 e CGP 5/21) (RR 0,78; IC 95% 0,21-2,88; P=0,695). A média de glicemia, no período inicial de 24 horas após o transplante, foi significativamente inferior no grupo CGI comparativamente ao CGP (145,0 ± 20,7 mg/dL vs. 230,2 ± 51,5 mg/dL; P=0,001). Episódios de hipoglicemia severa não foram observados nos grupos de estudo. Hiperglicemia e hiperglicemia severa foram significativamente menos frequentes no grupo CGI (RR 0,70; IC 95% 0,52-0,93; P=0,009 e RR 0,07; IC 95% 0,01-0,48; P<0,001, respectivamente). O tempo de ventilação mecânica foi semelhante entre os grupos (CGI 19,6 ± 14,7 horas vs. 16,2 ± 11,3 horas; P=0,884). Tendência de menor tempo de internação em UTI foi observada no CGI (8,0 [4,0-13,5 dias]) em comparação ao CGP (11,0 [7,0-15,0 dias]) (P=0,097). O tempo de estadia hospitalar pós-operatória foi significativamente mais breve, em aproximadamente seis dias, no CGI em comparação ao CGP (13,1 ± 5,5 dias vs. 19,3 ± 12,1 dias; P= 0,043). A ocorrência de óbito em até 90 dias após o transplante foi semelhante entre os grupos (CGI 20% vs. 14,3%; P= 0,697). Receptores acometidos por ISC incisional profunda ou órgão/cavidade apresentaram risco superior de óbito comparativamente àqueles que não desenvolveram (RR 4,95; IC 95% 1,54-15,86; P=0,007).

Conclusão:

Os resultados deste estudo não apontaram redução na incidência de ISC por meio do emprego de um protocolo intensivo de controle glicêmico. Contudo, verificou-se que os receptores alocados no grupo CGI apresentaram médias glicêmicas inferiores, menor incidência de hiperglicemia e hiperglicemia severa, e menor tempo de internação pós-operatória. Considerando que esse estudo foi conduzido em um único centro transplantador de um país em desenvolvimento, sugere-se a realização de estudos multicêntricos a fim de que sejam confirmados os resultados.

Background:

The evidence supporting intensive blood glucose control to prevent surgical site infections (SSIs) among liver transplant recipients is insufficient.

Aim:

To assess the effects of postoperative intensive blood glucose control protocol (IBGC) against standard blood glucose control (SBGC) on the incidence of SSI among adult liver transplant recipients.

Methods:

This is a parallel-design, randomized controlled trial, comparing two blood glucose control protocol beginning at the time of the post-operative admission of the recipient to the Intensive Care Unit. All recipients who consented to take part in this trial were randomly assigned to either group, IBGC (blood glucose targeted on 80-130 mg/dL) or SBGC (130-180 mg/dL). The primary outcome, SSI was assessed at 30 days by a blind adjudication panel. This trial was approved by the relevant ethics committee before the study initiation and enrolment. Analysis was based on intention-to-treat information. Categorical variables were analysed by Pearson's chi-squared test or Fisher's exact test, as appropriate. Normality was tested using the Kolmogorov-Smirnov test. Continuous variables were analysed by the Student t test for normally distributed data and the Mann-Whitney test for all other data. The comparison between glycaemic levels was calculated using analysis of variance of repeated measures (ANOVA). To keep the level of global significance the Bonferroni correction was used. Statistical significance was set at P= 0.05. The ClinicalTrials.gov identifier is NCT03474666.

Results:

Of the 41 liver transplant recipients enrolled onto the trial, 20 were randomly allocated to the IBGC group and 21 to the SBGC group. There were no significant differences in SSIs among recipients allocated to either group (RR 0,78, 95% CI 0.21-2.88; P=0.695). Mean blood glucose levels were significantly lower in the IBCG group in the 24-hour period after surgery (145.0 ± 20.7 mg/dL and 230.2 ± 51.6 mg/dL; P=0.001). While there were fewer episodes of hypoglycaemia in the IBGC group, this did not reach statistical significance. There were no episodes of severe hypoglycaemia in either group. Hyperglycaemia and severe hyperglycaemia were significantly more frequent in the SBGC group (RR 0.70, 95% CI 0.52-0.93; P=0.009 and RR 0.07; 95% CI 0.01-0.48; P< 0.001, respectively). The length of mechanic ventilation was similar between the two groups (IBGC 19.6 ± 14.7 h vs 16.2 ± 11.3 h; P=0.884). A tendency of shorter length of ICU stay was detected on the IBGC (8.0 [4.0-13.5 days]) comparatively to the SBGC (11.0 [7.0-15.0 days]) (P=0.097). Length of hospital stay was significantly shorter for recipients in the IBGC group (13.1 ± 5.5 vs 19.3 ± 12.1 days; P=0.043). The occurrence of death was similar between recipients allocated to the IBGC and SBGC (20.0% vs. 14.3%; P=0.697). The risk of death was higher among recipients who developed deep incisional or organ/space SSI comparatively to those who did not (RR 4.95; CI 95% 1.54- 15.86; P=0.007).

Conclusion:

Although this small trial did not find intensive blood glucose control reduced SSI, it was associated with lower blood glucose levels, fewer episodes of hyperglycaemia and severe hyperglycaemia, and shorter length of hospital stay. Also, this trial was carried out in a single transplant centre in a middle-income country. It would be interesting to see if the results were supported by a multicentre trial.