Representações da demência vividas na primeira pessoa: Uma análise hermenêutica

Publication year: 2018

A epidemiologia das demências está inevitavelmente ligada ao envelhecimento da população, exibindo um crescimento exponencial nos últimos anos. Enquanto doença crónica, a demência apresenta-se como uma ameaça à existência física e social, amputando ou redefinindo os papéis anteriores, ao conduzir a uma pesada (des)construção sobre o mundo quotidiano.

A presente investigação foi orientada para o alcance dos seguintes objetivos:

a) descrever as representações da pessoa com demência sobre a doença, após o diagnóstico; b) compreender o processo de ajustamento da pessoa com demência, a partir da experiência vivida. A opção metodológica foi a de um estudo do tipo qualitativo, de cariz fenomenológico-interpretativo e inspirado na filosofia hermenêutica de Paul Ricoeur. Foram entrevistadas 7 pessoas com demência ligeira, a maioria diagnosticadas com doença de Alzheimer e com uma média de 71 anos de idade. A cada participante foram realizadas duas entrevistas, num setting natural [domicílio], tendo a recolha de dados ocorrido entre julho e outubro de 2017. O eixo principal da presente análise centrou-se na identidade da pessoa com demência, sendo que daí foram constituídos dois temas principais. O primeiro tema ?a vida em suspenso? visou descrever o conhecimento e as representações sobre demência. Relativamente à análise da experiência vivida, ficou representada pelo segundo tema ?mapear o processo de transição - viver à beira do precipício?. Os achados deste estudo indicam que as representações de doença são estruturas úteis para desenvolver uma compreensão de como as pessoas com demência tentam gerir as ameaças impostas pela doença à medida que negoceiam o seu dia-a-dia. O desenvolvimento das representações reflete uma compreensão de que o declínio progressivo imposto pela demência está vinculado a um conjunto de consequências que se circunscrevem nas dimensões pessoal, relacional e transcendental. Em síntese a pessoa com demência enfrenta diversos desafios, o primeiro decorre da necessidade de criar e atribuir significado à doença e aos seus papéis sociais e o segundo da necessidade de lidar com as consequências emocionais que resultam do processo de doença, dotando a pessoa de estratégias adaptativas que promovam o seu ajustamento. Com efeito, este estudo para além de desocultar a experiência vivida da pessoa com demência, tem o potencial de contribuir para a melhoria dos cuidados de enfermagem em saúde mental.