Viabilidade e custo-benefício no reúso de respiradores PFF2 durante a pandemia da COVID-19: um estudo multimétodos

Publication year: 2023

No final do primeiro trimestre de 2020 a Organização Mundial da Saúde reconheceu a contaminação pelo novo SARS-Cov2 como uma pandemia. Diante disso, encontrar alternativas diante das dificuldades de fornecimento de EPIs, incluindo aqueles de difícil fabricação e considerados descartáveis, como os respiradores do tipo N95 e/ou PFF2, tornou-se uma das tarefas difíceis e primordiais para garantir assistência aos pacientes com a doença do coronavírus (COVID-19).

Objetivo:

Avaliar a segurança no uso de respiradores descontaminados do tipo PFF2, equipamentos de proteção individual (EPIs) considerados de uso único por profissional de saúde em situações de pandemia.

Método:

Pesquisa de abordagem de multimétodos.

O estudo foi dividido em três desdobramentos metodológicos:

uma revisão sistemática com metanálise, um estudo com desenho quase-experimental e um estudo de caso. O relatório da revisão sistemática com metanálise foi desenvolvido em oito bases científicas, de acordo com as orientações de Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), com busca de publicações entre janeiro de 2020 e agosto de 2022.

A pergunta norteadora foi:

o reúso e/ou descontaminação de máscaras N95 viabiliza a manutenção da integridade e eficiência de filtração para os profissionais de saúde na prevenção da COVID-19? A meta-análise foi realizada usando meta-regressão, com variação inversa. A avaliação metodológica dos artigos foi realizada através do instrumento Joanna Briggs critical appraisal para ensaios experimentais não randomizados. O quase-experimento e o estudo de caso foram realizados na Central de Materiais e Esterilização (CME), em um hospital público, universitário e federal da região Sul do Brasil. Foi definido o cálculo do tamanho amostral mínimo de seis respiradores PFF2 para cada tipo de intervenção e tempo de uso para o desenvolvimento do quase-experimento. Este cálculo foi baseado no estudo piloto com máscaras novas com simulação de uso, com análise de potência de 90%, com dois desvios- padrão e com nível de confiança de 95%. As amostras foram coletadas de forma não aleatória, com recrutamento sequencial em duas unidades: Unidade de Terapia Intensiva (UTI não- COVID), na qual os profissionais utilizavam respiradores PFF2 por 42 horas, e a UTI-COVID, na qual as máscaras PFF2 foram utilizadas por 6 horas. O período da coleta foi de 60 dias, entre os meses de abril e junho de 2021.

Os critérios de inclusão foram:

respiradores do tipo PFF2 fornecidos pela instituição para uso profissional contra agentes biológicos, com laudos de certificação de eficiência bacteriológica, e usados pelos profissionais das UTIs COVID e não- COVID, conforme o protocolo.

Os critérios de exclusão foram:

respiradores com deformidades ou danificados, com perda de integridade aparente, com marcações que não fossem decorrentes de uso, respiradores valvulados, bem como respiradores da UTI não-COVID descartados com tempo de uso inferior ou superior às 42 horas (7 plantões de 6 horas) preconizadas.

Os grupos foram divididos por tempo de uso e tipo de intervenção:

Grupo Controle, composto de respiradores novos, e nove grupos experimentais adicionais.

Foram consideradas como variáveis dependentes quantitativas:

os resultados dos testes de resistência à respiração, à penetração do filtro e à inflamabilidade relacionada à segurança do usuário após o processo de descontaminação de respiradores PFF2. Como variáveis independentes qualitativas foram considerados os tipos de processo de descontaminação. As amostras foram analisadas em laboratório tecnológico de materiais e produtos para o controle da qualidade na cidade de São Paulo, certificado pela Rede Brasileira de Laboratórios de Ensaio (RBLE), com base na norma ABNT NBR 13698/2022, avaliando resistência à respiração com fluxo contínuo de inalação e exalação, penetração através do filtro e inflamabilidade. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva. Para analisar se o respirador permaneceu seguro para o uso após a descontaminação em relação ao grupo controle, foi empregado o teste t Student, para verificar a diferença da resistência à respiração (inalação e exalação) e à penetração do filtro da PFF2 entre os grupos foi utilizado o teste Anova. Foram considerados significativos os valores de p <0,05. Para o estudo de caso, foram aplicadas fontes institucionais, registros de tempo e recursos utilizados para a descontaminação de respirador PFF2. Baseado no modelo de IOWA, foi elaborado o fluxo do processo com a identificação das etapas para viabilizar a descontaminação dos respiradores. Posteriormente, foi elaborada uma planilha para coleta dos dados e comparação dos custos diretos no período pré e durante a pandemia. Quanto aos preceitos bioéticos, esta pesquisa foi orientada pela legislação, aprovada pelo comitê de ética da instituição, CAAE 702207717.4.0000.5327, parecer de aprovação n.2.183.123.

Resultados:

Como resultados da revisão sistemática, sete artigos foram incluídos na extração dos dados e avaliação crítica, e três na meta-análise. Quatro estudos avaliaram a integridade por inspeção visual e dois por microscopia eletrônica. Não se constatou associação entre o aumento do número de ciclos e a redução da filtração em até 10 ciclos. Nenhum estudo foi considerado de alta qualidade metodológica. Quanto aos resultados do quase-experimento, a resistência à respiração da PFF2 se manteve dentro dos limites preconizados pela norma para os diferentes fluxos de pressão (p<=0,001) na comparação entre as máscaras novas e usadas, independente do tempo de uso. Em relação à manutenção da filtração da PFF2, verifica-se que todos os grupos se mantiveram dentro do limite preconizado de penetração (<6%) utilizando cloreto de sódio em um fluxo contínuo de 95l/min. No entanto, constata-se diferença significativa (p=0,002) entre as máscaras descontaminadas e as novas, independentemente do tipo de tratamento no requisito de penetração. Ao avaliar o tempo de uso, as máscaras descontaminadas e utilizadas por 42h apresentaram, quando comparadas às máscaras novas, diferença significativa na penetração (p=0,012). Em relação ao estudo de caso, afirma-se que, no cenário analisado, o custo do processo de descontaminação de respiradores do tipo PFF2 de uso único durante a pandemia da COVID-19 não é justificável em períodos em que não há escassez de recursos.

Conclusão:

A partir da revisão sistemática, há evidências da manutenção da integridade e filtração após reúso de respiradores N95/PFF2 para prevenir a COVID-19. O quase-experimento ratificou alguns achados da revisão sistemática, mostrando que a descontaminação de máscara PFF2 é viável nos tipos de descontaminações propostos neste estudo, em situações de pandemia, quando avaliados os requisitos de resistência e manutenção da filtragem em acordo com a norma preconizada. Resíduos de suor e/ou maquiagem não se configuraram como fatores impeditivos para manutenção da filtragem dos respiradores PFF2, além de não terem influenciado no risco de maior ou menor inflamabilidade da máscara. Quanto ao custo do processo de descontaminação desses respiradores, a única justificativa viável para a prática da descontaminação seria a indisponibilidade e o desabastecimento deste EPI.
At the end of the first quarter of 2020, the World Health Organization recognized the contamination by the new SARS-Cov2 as a pandemic. Finding alternatives for the difficulties in providing PPE, including those that are difficult to manufacture and are considered disposable, such as N95 and/or PFF2 respirators, became one of the hardest and fundamental tasks to ensure assistance to patients with coronavirus disease (COVID-19).

Objective:

To evaluate the safety in the use of PFF2 respirators decontaminated type, personal protective equipment (PPE) considered for one-time use by a health professional in pandemic situations.

Method:

Research was based on a multimethod approach.

This study was developed in three methodological unfoldings:

a systematic-metanalysis review, a study with a quasi-experimental design and a case-study. The systematic-metanalysis review report was developed based on the orientations of the Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) on eight scientific basis, looking for publications between January of 2020 and August of 2022.

The guiding question was:

does the reuse and/or decontamination of N95 masks enable to maintain the integrity and efficiency of filtration for health professionals in the COVID-19 prevention? The metanalysis was carried out using meta-regression with inverse variance. The articles methodological evaluation was performed through the tool Joanna Briggs critical appraisal for not randomized experimental tests. The quasis-experiment and the case study were carried out at the Materials and Sterilization Center, in a public, federal and university hospital in the southern region of Brazil. It was established the sample size calculation minimum of six PFF2 respirators for each type of intervention and time of use for the development of the quasis-experiment. The calculation was based on the pilot study with new masks with simulated use, with power analysis of 90%, with two standard deviations and confidence level of 95%. The samples were collected non-randomly, with sequential recruitment in two units: Intensive Care Unit (non-COVID ICU), in which professionals used PFF2 respirators for 42 hours, and the ICU-COVID, in which PFF2 masks were used for 6 hours. The collection period was of 60 days between the months of April and June of 2021. As inclusion criteria, were used PFF2 respirators for professional use against biological agents provided by the institution, with bacteriological efficiency certification reports, and used by professionals of COVID and non-COVID ICUs, according to the protocol. Exclusion criteria were respirators with deformities or damaged, with apparent loss of integrity, with marks that were not due to use, valved respirators, as well as non-COVID ICU respirators discarded with time of use less than or greater than 42 hours (7 shifts of 6 hours) recommended.

The groups were divided by time of use and type of intervention:

Control Group, composed of new respirators, and nine additional experimental groups.

The following quantitative dependent variables were considered:

results of breath resistance tests, of filter penetration and of flammability related to user safety after the decontamination process of PFF2 respirators. As qualitative independent variables, the types of decontamination process were considered. The samples were analyzed in a materials and products technological laboratory for quality control in the city of São Paulo, certified by the Rede Brasileira de Laboratórios de Ensaio (RBLE), based on the ABNT NBR 13698/2022 norm, evaluating the resistance of breathing with a continuous flow of inhalation and exhalation, penetration through the filter and flammability. Data were analyzed using descriptive statistics. To analyze if the respirator remained safe for use after decontamination compared to the control group T Student test was used to verify the difference of breathing resistance (inhalation and exhalation) and to the penetration of the PFF2 filter was used the ANOVA test. Values of p<0.05 were considered significant. For the case study, institutional sources, time registrations and resources used for the decontamination of PFF2 respirator were applied. Based on the IOWA model, the process flow was elaborated with the identification stages to enable respirators decontamination. Afterwards, a spreadsheet was made to collect data and to compare direct costs in the periods of before and during the pandemic. As for the bioethical precepts, this research was guided by the legislation, approved by the institution's ethics committee, CAAE 702207717.4.0000.5327, approval opinion n.2.183.123.

Results:

As systematic review results, seven articles were included in the data extraction and critical evaluation, and three articles in the metanalysis. Four studies evaluated the integrity by visual inspection and two studies by electronic microscopy. There was not observed any association between the increase in the number of cycles and the filtration reduction in up to ten cycles. Any study was considered of high methodological quality. As for the quasi-experiment results, the PFF2 breathing resistance remained within the limits recommended by the norm for the different pressure flows (p<=0.001) in the comparison between new and used masks, regardless of the time of use. Regarding the PFF2 filtration maintenance, it is verified that all groups remained within the recommended penetration limit (<6%) using sodium chloride in a continuous flow of 95l/min. However, there is a significant difference (p=0.002) between decontaminated and new masks, regardless of the type of treatment in the penetration requirement. When evaluating the time of use, the masks decontaminated and used for 42 hours presented, when compared to new masks, a significant difference in penetration (p=0.012). Regarding the case study, it is stated that, in the scenario analyzed, the costs of PFF2 respirators decontamination process of single use during the COVID-19 pandemic is not justifiable in periods where there is no resource shortage.

Conclusion:

From the systematic review, there is integrity and filtration maintenance evidence after the reuse of N95/PFF2 respirators to prevent COVID-19. The quasi-experiment ratified findings of systematic review, showing that PFF2 mask decontamination is practicable in the types of decontamination proposed in this study, in pandemic situations, when the resistance and filtering maintenance requirements were evaluated in accordance with the recommended norm. Sweat and/or makeup residues were not configured as deterrent factors for the filtering of PFF2 respirators maintenance, as well as not influencing the risk of greater or lesser flammability of the mask. In terms of decontamination process cost of single-use PFF2 respirators, the only viable justification for the practice of PFF2 masks decontamination would be the unavailability and shortage of this PPE.