Motivações dos trabalhadores no atendimento à pessoa em crise no CAPS AD III: um estudo fenomenológico

Publication year: 2022

Introdução:

A atenção à crise psíquica no contexto de pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas sofreu mudanças paradigmáticas importantes com o advento da Reforma Psiquiátrica. O modelo manicomial de exclusão social, violações de direitos humanos e de controle de corpos dá lugar ao modelo psicossocial de cuidado aos sujeitos, baseado no cuidado com respeito às subjetividades, no âmbito comunitário e em redes de serviços de saúde. Todavia, sobram cicatrizes sociais profundas do modo manicomial na atuação de trabalhadores frente à crise psíquica.

Objetivo:

Este estudo tem o objetivo de compreender o significado das ações dos trabalhadores no atendimento à pessoa em crise no CAPS AD III.

Metodologia:

Trata-se de um estudo qualitativo, sob a luz do referencial teórico-fenomenológico da fenomenologia social de Alfred Schütz. Esta pesquisa foi realizada em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas, localizado no município de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. Os participantes do estudo foram selecionados através do método bola de neve e constituíram-se em um total de 14 trabalhadores. A coleta das informações foi realizada por meio de entrevista fenomenológica de forma on-line através da plataforma Google Meet e de forma presencial nas dependências do CAPS AD, nos meses de fevereiro e março de 2022. Os preceitos éticos foram respeitados e o estudo foi aprovado no dia 09 de dezembro de 2021 pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o parecer n.o 5.155.975/CAE 52618321.0.0000.5347.

Resultados:

A partir da análise das informações emergiram quatro categorias concretas: a compreensão do fenômeno crise; ações dos trabalhadores frente ao fenômeno crise; sentimentos dos trabalhadores no atendimento à crise e intenções dos trabalhadores no atendimento à crise. A partir dos resultados, percebeu-se que a crise é compreendida pelos trabalhadores como um momento de sofrimento agudo, mas que carrega em si um potencial de transformação. As relações sociais existentes referentes a família, questões socioeconômicas e pandemia da COVID-19 influenciam no processo de crise dos sujeitos. As ações dos trabalhadores são focadas no manejo verbal e no vínculo, sendo a contenção mecânica realizada somente como última alternativa para evitar riscos maiores ao usuário como autoagressão e heteroagressão. Sentimentos de angústia e tristeza são evidenciados pelos trabalhadores, durante a contenção mecânica, e frustrações são evidências referentes à ausência do familiar como corresponsável do cuidado. Os trabalhadores têm como expectativa realizar um manejo em que não haja contenção mecânica, em que ocorra a diminuição do sofrimento e, ainda, esperam encontrar significados para a crise.

Considerações finais:

Percebe-se que fatores ligados ao modelo biologicista, periculosidade, criminalização e estigmatização do usuário são dificultadores do atendimento nos CAPS AD. Avalia-se a educação permanente e a discussão de casos entre os trabalhadores como potência para uma abordagem ampliada referente ao atendimento de crise. Portanto, este estudo auxilia na compreensão por parte dos trabalhadores no que diz respeito à pessoa em crise e contribui para efetivação do cuidado em liberdade e em redes de atenção psicossocial.

Introduction:

The attention to the psychic crisis in the context of people who use alcohol and other drugs underwent important paradigmatic changes with the advent of the Psychiatric Reform. The insane asylum model of social exclusion, human rights violations and body control gives way to the psychosocial model of care for subjects, based on care with respect to subjectivities, in the community and in health service networks. However, there are deep social scars of the insane asylum mode in the work of workers in the face of the psychic crisis.

Objective:

This study aims to understand the meaning of workers’ actions in caring for people in crisis at CAPS (psychosocial care center) AD III.

Methodology:

This is a qualitative study, in the light of Alfred Schütz’s theoretical-phenomenological framework of social phenomenology. This research was conducted in a Psychosocial Care Center for Alcohol and Other Drugs, located in the city of Porto Alegre, in the state of Rio Grande do Sul. Study participants were selected using the snowball method and constituted a total of 14 workers. The collection of information was conducted through a phenomenological interview online through the Google Meet platform and in person at CAPS AD premises, in February and March 2022. Ethical precepts were respected, and the study was approved on December 9, 2021 by the Research Ethics Committee under opinion No. 5.155.975/CAE 52618321.0.0000.5347.

Results:

From the analysis of the information, four concrete categories emerged: the understanding of the crisis phenomenon; workers’ actions in the face of the crisis phenomenon; workers’ feelings in responding to the crisis and workers’ intentions in responding to the crisis. From the results, it was noticed that the crisis is understood by the workers as a moment of acute suffering, but that it carries a potential for transformation. Existing social relationships related to family, socioeconomic issues and the COVID-19 pandemic influence the crisis process of the subjects. The workers’ actions are focused on verbal management and bonding, with mechanical restraint being performed only as a last alternative to avoid greater risks to the user, such as self-harm and hetero-aggression. Feelings of anguish and sadness are evidenced by workers during mechanical restraint, and frustrations are evidence regarding the absence of the family member as co-responsible for the care. The workers expect to conduct a management in which there is no mechanical restraint, in which suffering is reduced, and they also hope to find meanings for the crisis.

Final considerations:

It is noticed that factors linked to the biological model, dangerousness, criminalization and stigmatization of the user are obstacles to care in CAPS AD. Continuing education and the discussion of cases among workers are evaluated as a potential for an expanded approach regarding crisis care. Therefore, this study helps workers understand the person in crisis and contributes to the effectiveness of care in freedom and in psychosocial care networks.