Como nos tornamos o que somos: memoriais acadêmicos em ensaio ético-estético
Publication year: 2021
Introdução. Os memoriais são documentos que, “a próprio punho”, versam sobre a vida acadêmica, os méritos, as conquistas, entre outros motivos de orgulho de quem se propôs ocupar o topo da carreira universitária. Na náufraga rota da tese, os memoriais adquiriram a preciosidade que os documentos arquivados guardam a respeito de nós mesmos, enquanto sujeitos modernos. Mais do que acúmulo de histórias individuais e/ou coletivas dispostas ao longo do tempo, os memoriais apresentam um olhar sobre o espaço, sobre mares abertos de possibilidades investigativas. Diante de interrogações acerca de como nos tornamos o que somos em práticas de relatos de si, opta-se por fugir de explicações gerais, universais, típicas da pedagogia moderna e constrói-se uma tese sob o signo da inventividade. Esta, teve como objetivos constituir visibilidade para a prática do escrever acerca de si e problematizar como nos tornamos o que somos, a partir da interrogação: Como nos constituímos como sujeitos na prática da escrita acadêmica? Metodologia. Ensaio ético-estético sob perspectiva dos estudos foucaultianos, da intertextualidade com autores/as nas áreas de Filosofia, Educação, Artes, Ciências Humanas, além da Enfermagem, imbrincados com a arte contemporânea de Adriana Varejão. Utilizou-se 16 memoriais de docentes titulares da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição (no 19396619.9.0000.5347). Os autores e autoras dos memoriais validaram os excertos a partir da leitura da tese na íntegra. Como resultados e discussão, foram elaboradas quatro incisões (tópicos) que versam sobre a constituição de sujeitos autobiográficos, sujeito autores, sujeitos que fabricam verdades sobre si e sujeitos ético-estéticos. Nas análises é problematizada a formação de identidades profissionais, a produção de verdades sobre si na forma de narrativas autobiográficas e que vão produzir sujeitos de conhecimento como manifestação da produção de poder na relação do sujeito consigo mesmo. Os memoriais acadêmicos são vistos como práticas de constituição de sujeitos que dizem a verdade sobre si mesmo, que operam na produção de regimes de verdade e poder sobre si e produzem modos de subjetivação, que se articulam a outros regimes de verdade, como as regras institucionais- jurídicas, modos de produção acadêmicas, princípios morais e de conduta. Na atitude ético-estética, os indivíduos são interpelados por marcas, incômodos que vibram em si, a partir da relação com o outro, na prática da escuta, na sensibilidade ao sofrimento humano nos espaços institucionais, que vão lhes constituindo como sujeitos ético-estéticos. As escritas de memoriais podem ser vistas como exercícios espirituais que carregam a potência prática de formar, mais do que a de informar. Prática de estética da existência na qual sujeitos tornam-se o que são, quando se manifestam como objetos de sua própria obra. As considerações finais dedicam-se às reflexões da própria pesquisadora acerca das heranças que a constituíram na trajetória dos estudos na Enfermagem e aponta para a importância de reflexões sobre como temos nos constituído como sujeitos e o preço da fabricação de nossas verdades.
Introduction. The memorials are documents that, “in their own hand”, deal with academic life, merits, achievements, among other reasons for pride of those who set out to occupy the top of the university career. In the shipwrecked route of the thesis, the memorials acquired the preciousness that the archived documents keep about us, as modern subjects. More than an accumulation of individual and/or collective stories arranged over time, the memorials present a look at space, at open seas of investigative possibilities. Faced with questions about how we become what we are in self-reporting practices, one chooses to avoid general, universal explanations, typical of modern pedagogy, and builds a thesis under the sign of inventiveness. This one had as objectives to constitute visibility for the practice of writing about oneself and to problematize how we become what we are, from the question: How do we constitute ourselves as subjects in the practice of academic writing? Methodology. Ethical-aesthetic essay from the perspective of Foucault’s studies, intertextuality with authors in the areas of Philosophy, Education, Arts, Human Sciences, in addition to Nursing, intertwined with the contemporary art of Adriana Varejão. We used 16 memorials from professors at the School of Nursing at the Federal University of Rio Grande do Sul, which were approved by the institution’s Research Ethics Committee (No. 19396619.9.0000.5347). The authors of the memorials validated the excerpts taken from the memorials. As results and discussion, four incisions (topics) were elaborated that deal with the constitution of autobiographical subjects, subject authors, subjects that manufacture truths about themselves and ethical-aesthetic subjects. In the analyses, the formation of professional identities, the production of truths about oneself in the form of autobiographical narratives, which will produce subjects of knowledge as a manifestation of the production of power in the subject’s relationship with himself are problematized. Academic memorials are seen as practices of constitution of subjects who tell the truth about themselves, which operate in the production of regimes of truth and power over themselves and produce modes of subjectivation, which are articulated with other regimes of truth, such as institutional rules- legal, academic production methods, moral and conduct principles. In the ethical- aesthetic attitude, individuals are questioned by marks, discomforts that vibrate in themselves, from the relationship with the other, in the practice of listening, in the sensitivity to human suffering in institutional spaces, which constitute them as ethical-aesthetic subjects. The writings of memorials can be seen as spiritual exercises that carry the practical power of forming rather than informing. A practice of aesthetics of existence in which subjects become what they are, when they manifest themselves as objects of their own work. The final considerations are dedicated to the researcher’s own reflections on the heritages that constituted her in the trajectory of Nursing studies and point to the importance of reflections on how we have constituted ourselves as subjects and the price of manufacturing our truths.