Associação da transição do cuidado com eventos adversos após a alta de um centro de terapia intensiva

Publication year: 2019

Introdução:

A transição do cuidado refere-se a um conjunto de ações destinadas à coordenação e à continuidade do cuidado na transferência de pacientes entre diferentes locais ou níveis do sistema de saúde. É um processo complexo sujeito a inúmeras falhas, que podem levar à ocorrência de eventos adversos graves, particularmente na alta da terapia intensiva.

Objetivo:

Analisar a associação entre a ocorrência de eventos adversos em 72 horas e as práticas de transição do cuidado na alta do Centro de Terapia Intensiva (CTI) para unidades de internação clínicas ou cirúrgicas, de um hospital universitário de Porto Alegre.

Método:

Estudo observacional, longitudinal, realizado de novembro de 2018 a abril de 2019, que acompanhou pacientes maiores de 18 anos, transferidos do CTI para uma unidade de internação clínica ou cirúrgica. Foram coletados de forma prospectiva, dados sobre as características sociodemográficos e clínicas, características da internação no CTI, condições do paciente no momento da alta, práticas de transição do cuidado e o desfecho eventos adversos, bem como, entrevista com paciente ou acompanhante para identificar as orientações de alta recebidas.

Foram considerados como eventos adversos:

erro de medicação; queda; remoção acidental de dispositivos invasivos; sangramento; acionamento do Time de Resposta Rápida (TRR); parada cardiorrespiratória (PCR); readmissão não planejada ao CTI; e óbito. Após análise univariada, foi realizada a análise multivariada através do modelo de regressão de Poisson, conforme modelo hierárquico construído em blocos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição do estudo.

Resultados:

Dos 334 pacientes acompanhados, 28,7% apresentaram algum evento adverso, nas primeiras 72 horas, sendo que 17,4% necessitaram de atendimento do TRR, 10,2% sofreram remoção acidental de dispositivo invasivo, 5,7% foram readmitidos ao CTI. A taxa de mortalidade hospitalar foi de 10,5% e 14,4% dos pacientes foram readmitidos em qualquer período após a alta do CTI. A análise univariada mostrou que a incidência de eventos adversos foi maior em pacientes com uso de ventilação mecânica invasiva, sedação endovenosa contínua e desenvolvimento de delirium no CTI. No momento da alta, estiveram associados com o desfecho, a presença de cateter venoso central e infusões endovenosas, presença de sonda e uso de dieta enteral, o estado de consciência, agitação, carga de trabalho, frequência cardíaca e pressão arterial. Em pacientes que sofreram evento adverso a solicitação de pré-alta foi mais frequente e houve menor frequência de orientações sobre prevenção de quedas e de dúvidas consideradas esclarecidas. As demais práticas de transição do cuidado foram semelhantes entre os grupos. Na análise multivariada, o diagnóstico de depressão, internação por diminuição do sensório, SAPS III, dieta enteral e agitação foram preditores independentes de risco para eventos adversos.

Conclusão:

Identificou-se incidência de quase 30% de eventos adversos em 72 horas após alta do CTI e não houve associação com as práticas de transição do cuidado. Depressão, internação por diminuição do sensório, escore SAPS III na admissão e uso de dieta enteral e agitação no momento da alta mostraram-se preditores independentes de risco, sugerindo que as estratégias sejam revistas e direcionadas ao perfil do paciente.

Introduction:

Transition of care takes in consideration a series of actions for coordination and continuity of care during patient transfers between different places and levels of complexity of the healthcare system. It is a complex process in which mistakes can happen and lead to serious adverse events, specially at discharge of the intensive care.

Objective:

To analyze the association between the occurrence of adverse events in 72 hours and the discharge practices of the Intensive Care Unit (ICU) to clinical or surgical wards of a university hospital of Porto Alegre.

Methods:

This is a longitudinal study, in which data was collected from November 2018 to April 2019 and observed data from patients with 18 years old or older, that were transferred from the ICU to clinical or surgical wards. Sociodemographic and clinical data, characteristics of ICU stay, patient status at the moment of discharge, discharge practices and the occurrence of adverse events, were acquired prospectively. The patient or accompanying person were interviewed to identify which orientations were made at discharge. The adverse events considered were medication error, fall, accidental removal of invasive devices, bleeding, Rapid Response Team (RRT) triggering, cardiorespiratory arrest, unplanned readmission to the ICU, and death. A multivariate analysis followed a univariate analysis, using Poisson regression model according to hierarchical model built in blocks. The project was approved by the institution’s Research Ethics Committee.

Results:

Of the 334 patients included, 28,7% had an adverse event during the first 72 hours, being 17,4% the need for RRT assistance, 10,2% accidental removal of invasive devices, and 5,7% readmitted to the ICU. Hospital mortality rate was 10,5% and 14,4% patients were readmitted to the intensive care at any moment after discharge. Univariate analysis showed that there was a greater incidence of adverse events in patients that needed invasive mechanical ventilation, continuous sedation and developed delirium in the ICU. At the moment of discharge, the use of central venous catheter and infusions, feeding tube and enteral feeding, consciousness, agitation, workload, heart rate and arterial blood pressure, were associated with the result. Patients that suffered adverse events had more frequently a “scheduled discharge” and less frequent orientations about fall prevention and questions considered answered. Other practices for transition of care were similar between groups. Diagnosis of depression, hospitalization due to depressed level of consciousness, SAPS III, enteral feeding and agitation were independent risk predictors for adverse events.

Conclusion:

An incidence of almost 30% adverse events was observed during the first 72 hours after discharge of the ICU and no associations with discharge practices were found. Depression, hospitalization due to depressed level of consciousness, SAPS III score during admission, enteral feeding and agitation during discharge, were considered independent risk predictors, which shows a need for review of the strategies for transition of care, making them more directed for the patient’s characteristics.