A (des) integralidade da atenção à saúde das mulheres: o caso das consultas ginecológicas na rede pública de um município do oeste de Santa Catarina

Publication year: 2018

No âmbito da atenção à saúde das mulheres, demandas relativas à atenção à saúde ginecológica têm merecido destaque na definição do conjunto de ações programáticas propostas pelo Ministério da Saúde. Apesar da retórica ênfase dessas ações na integralidade em saúde, a atenção à saúde ginecológica segue sendo realizada de modo restrito e simplificado. O estudo, de abordagem qualitativo-exploratória, foi do tipo Estudo de Caso e objetivou analisar o modo como se organiza a atenção à saúde das mulheres na rede pública de atenção ginecológica do Oeste de Santa Catarina e o seu potencial para produzir integralidade em saúde. A consulta ginecológica foi escolhida como unidade de análise, utilizando-se os seguintes instrumentos de pesquisa: entrevistas semiestruturadas, observações diretas e grupos focais. O trabalho de campo teve duração de seis meses, com início em 2016, e as informações foram interpretadas por meio de análise de conteúdo. A análise evidenciou várias fragilidades no atendimento das necessidades de saúde das mulheres no contexto estudado, destacando-se a pouca articulação entre os diferentes níveis de atenção e o uso pouco regular de mecanismos de referência e contra referência. Fragmenta-se, assim, o atendimento, reduzindo-se a qualidade das ações e as possibilidades de produção de integralidade da atenção. Um problema adicional é a limitação do escopo das consultas ginecológicas, dispositivos que são centrais no atendimento às demandas ginecológicas na rede estudada. Nas consultas, o cuidado é ofertado por meio de um “combo de serviços ginecológicos”, uma espécie de “cesta básica” com foco geralmente restrito ao exame citopatológico, à prescrição de anticoncepcionais e ao encaminhamento à mamografia. Esse combo é naturalizado pelos atores que circulam nos diversos níveis de atenção, inclusive pelas usuárias, legitimando-se tais ações como limites possíveis do atendimento e criando-se um cenário onde pouco variam as necessidades de saúde ginecológica passíveis de serem satisfeitas. Nos atendimentos, cada usuária é tomada como um corpo fragmentado em partes, algumas mais importantes que outras, do ponto de vista da saúde ginecológica. Este corpo foi metaforicamente interpretado como “corpo arquipélago”, um conjunto de partes de valorização distinta, as quais não são consideradas como constituintes de um todo e para as quais se define a priori um grupo de genéricas necessidades e respectivas ações de cuidado. Ficam, desconsideradas, assim, as singularidades das usuárias, reduzindo-se as possibilidades de produção de integralidade. Concluiu-se que, embora nem sempre seja assim, no contexto estudado é comum negligenciar-se o potencial de consultas ginecológicas para trocas intersubjetivas que possibilitariam ampliar a identificação e compreensão das necessidades de saúde das mulheres que acessam essas consultas. Mudanças neste cenário poderão advir do reconhecimento de que a promoção da saúde das mulheres em serviços de atenção ginecológica não pode ficar restrita a definições epidemiológicas sobre o que elas precisam para estarem e se sentirem saudáveis. A enfermagem tem significativa influencia os modos como a saúde das mulheres é enfocada nas redes assistenciais, em especial no contexto da atenção à saúde ginecológica. Isto é indicativo da sua importância para que estas transformações se efetivem.
In the context of women’s health care, demands related to gynecological health care have deserved prominence in the definition of the set of programmatic actions proposed by the ministry of health. Despite the rhetorical emphasis of these actions on health integrality, attention to gynecological health continues to be carried out in a restricted and simplified way. This qualitative-exploratory study is a Case Study and was aimed to analyze the way in which women’s health care is organized in the public gynecological care network of the West of Santa Catarina and its potential to produce health integrality.

The gynecological consultation was chosen as the unit of analysis and used the following research instruments:

semi-structured interviews, direct observations and focal groups. Data collection lasted six months, beginning in 2016, and the information was interpreted through content analysis. The analysis revealed several weaknesses in meeting the health needs of women in the context studied, highlighting the poor articulation between the different levels of care and the less regular use of reference and counter-reference mechanisms. Thus, the service is fragmented, which causes the diminishment of the quality of the actions and the possibilities of production of assistance integrality. An additional problem is the limitation of the scope of the gynecological consultations, devices that are fundamental to the gynecological demands of the studied network. In the consultations, care is offered through a "gynecological services set", a kind of "basic offer" that has a focus generally restricted to cytopathological examination, prescription of contraceptives and referral to mammography. The actors that circulate in the different levels of attention, including users, naturalize this set. This legitimizes such actions as possible limits on the assistance provided, which created a scenario in which the necessities of gynecological health almost do not vary, and that may be filled. In the consultations, each user is taken as a body fragmented into parts, some are more important than others, from the point of view of gynecological health. This body was metaphorically interpreted as "archipelago body", a set of distinct parts of valorization, which are not considered as constituents of a whole and for which a group of generic needs and respective care actions are defined a priori. Thus, the singularities of the users are disregarded, a fact that reduce the possibilities of integrality. It was concluded that, although this is not always the case, in the context studied, it is common to overlook the potential of gynecological consultations for intersubjective exchanges that would make it possible to broaden the identification and understanding of the health needs of the women who access these consultations. Changes in this scenario may arise from the recognition that the promotion of women’s health in gynecological care services cannot be restricted to epidemiological definitions of what they need to be and feel healthy. Nursing has a significant influence on the ways in which women’s health is focused on care networks, especially in the context of gynecological health care. This is indicative of its importance for these transformations to take place.