Violência e feminicídio: representações sociais de familiares de vítimas de feminicídio
Violence and feminicide: social representations of family members of feminicide victims

Publication year: 2023

O feminicídio é a máxima manifestação da violência contra a mulher, configurando a morte por razões de gênero. A família, neste cenário, é considerada vítima indireta. Assim, o objetivo do estudo foi compreender as representações sociais que familiares de vítimas de feminicídio, de uma capital do norte do Brasil, têm sobre violência e feminicídio. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva, realizada em Manaus-Amazonas, Brasil. A coleta de dados ocorreu de julho de 2021 a fevereiro de 2022, em duas etapas: consulta de documentos institucionais para caracterização dos casos ocorridos de 2018 a 2020, a fim de selecionar os familiares; entrevistas semiestruturada com os familiares. Os casos foram analisados por estatística descritiva, com auxílio do programa Microsoft Excel 2019, enquanto as entrevistas pela análise de conteúdo temática à luz das representações sociais, com auxílio do programa IraMuTeQ. Foram estimados 151 casos de feminicídio, sendo 136 suspeitos e 15 confirmados. As vítimas eram solteiras, pardas, média 31 anos de idade, ensino fundamental incompleto, realizavam atividades autônomas, naturais do Amazonas e residiam nas zonas Norte e Leste de Manaus. A maioria dos crimes ocorreu entre sábado e terça-feira, durante a noite, no domicílio e a arma de fogo foi o principal instrumento utilizado. Sete familiares foram entrevistados, sendo cinco mulheres (filha, mãe, prima e irmãs) e dois homens (pai e tio), oriundos de famílias nucleares e monoparentais, tinham vínculo próximo à vítima, média 39 anos de idade, casados ou em união estável, ensino médio completo, católicos e evangélicos, realizavam atividades formais de até um salário mínimo, naturais do Amazonas e residentes em Manaus. Elencaram-se três categorias temáticas: Representações sociais da violência para os familiares das vítimas de feminicídio; Representações sociais do feminicídio e suas consequências na família: "minha filha foi assassinada por um homem que jurava que a amava"; Estratégias utilizadas pelos familiares das vítimas para lidar com a perda. As representações de violência estão ancoradas em expressões do senso comum e fortalecem a ideia de que é algo natural, com destaque às naturezas física e psicológica. A agressão do homem forte à mulher frágil traz representações à violência de gênero, ancoradas no patriarcado. Já o feminicídio, para uns, é um ato concreto - o assassinato da mulher, enquanto, para outros, é a união e sucessão de violências que culmina na morte da mulher. Houve consequências com prejuízos biopsicossociais a curto e longo prazo. Os familiares se encontram desamparados e utilizam diferentes estratégias para lidar com a perda, como o apego espiritual e a restrição do assunto em família. Foram sugeridas estratégias para trabalhar questões socioeconômico-culturais na perspectiva de gênero e vulnerabilidade. É essencial facilitar e incentivar as mulheres a buscar formação escolar e oportunidades de trabalho. Urge, também, criar políticas de controle de armas letais. Diferentes profissionais precisam ter olhares mais compreensivos para as mortes por feminicídio e suas representações e repercussões na família. São necessárias intervenções capazes de tirá-los da invisibilidade e do esquecimento para serem reconhecidos como pessoas que precisam de apoio e dignidade
Feminicide is the maximum manifestation of violence against women, configuring death for reasons of gender. The family, in this scenario, is considered an indirect victim. Thus, the objective of the study was to understand the social representations that relatives of victims of feminicide, from a capital in the north of Brazil, have about violence and feminicide. This is a qualitative, exploratory and descriptive research, carried out in Manaus-Amazonas, Brazil. Data collection took place from July 2021 to February 2022, in two stages: consultation of institutional documents to characterize the cases that occurred from 2018 to 2020, in order to select family members; semi-structured interviews with family members. The cases were analyzed using descriptive statistics, with the help of the Microsoft Excel 2019 program, while the interviews by thematic content analysis in the light of social representations, with the help of the IraMuTeQ program. A total of 151 cases of feminicide were estimated, of which 136 were suspected and 15 were confirmed. The victims were single, mixed-race, 31 years old on average, incomplete elementary school, self-employed, native of the Amazon and residing in the North and East zones of Manaus. Most crimes occurred between Saturday and Tuesday, during the night, at home, and firearms were the main instrument used. Seven family members were interviewed, five women (daughter, mother, cousin and sisters) and two men (father and uncle), from nuclear and single-parent families, had a close relationship with the victim, average age 39 years, married or in a stable union, complete secondary education, Catholics and Evangelicals, performed formal activities worth up to one minimum wage, were born in the Amazon and lived in Manaus.

Three thematic categories were listed:

Social representations of violence for family members of feminicide victims; Social representations of feminicide and its consequences in the family: "my daughter was murdered by a man who swore he loved her"; Strategies used by victims' relatives to deal with the loss. The representations of violence are anchored in expressions of common sense and strengthen the idea that it is something natural, with emphasis on the physical and psychological natures. The strong man's aggression towards the fragile woman brings representations to gender violence, anchored in patriarchy. Feminicide, for some, is a concrete act - the murder of the woman, while, for others, it is the union and succession of violence that culminates in the death of the woman. There were consequences with biopsychosocial damage in the short and long term. Family members find themselves helpless and use different strategies to deal with the loss, such as spiritual attachment and restriction of family matters. Strategies were suggested to work on socioeconomic-cultural issues from the perspective of gender and vulnerability. It is essential to facilitate and encourage women to pursue schooling and job opportunities. It is also urgent to create lethal weapons control policies. Different professionals need to have a more understanding look at deaths by feminicide and their representations and repercussions on the family. Interventions capable of taking them out of invisibility and oblivion are needed to be recognized as people who need support and dignity