A emoçäo na prática de enfermagem: relatos por enfermeiros de UTI e UI

Publication year: 1991

Reflexöes diante de uma prática assistencial junto a pacientes criticamente enfermos permitiram vislumbrar a complexidade da vivência das emoçöes na realidade de trabalho do enfermeiro hospitalar. O interesse em desvendar os problemas relativos à prática de enfermagem vem conduzindo, na atualidade, inúmeros estudos sobre estresse de enfermeiros de UTI e UI, cujos resultados têm apontado aspectos bastante diversificados. Com esta mesma preocupaçäo de desvelar a realidade de trabalho dos enfermeiros de UTI e UI, direcionou-se o presente estudo à análise sobre a questäo da emoçäo junto a estes 2 grupos de enfermeiros, utilizando tanto a abordagem quantitativa quanto a qualitativa dos dados, na tentativa de conhecer o caráter de complementariedade delas. A 1§ fase de análise objetivou um conhecimento preliminar sobre a emoçäo nas situaçöes de trabalho do enfermeiro de UTI e UI. Utilizou-se para tal um questionário adaptado a partir de um instrumento elaborado por KLAUS R. SCHERER, sendo aplicado a 35 enfermeiros de UTI e 35 enfermeiros de UI, de 3 hospitais da rede pública da cidade de Säo Paulo. A 2§ fase constituiu-se de entrevistas onde propiciou-se o discurso sobre as experiências emocionais nas situaçöes de trabalho. Realizaram-se um total de 6 entrevistas, sendo 3 com enfermeiros de UTI e 3 com enfermeiros de UI. Destas, foi selecionada uma de cada setor, que submetida à técnica de representaçäo gráfica do discurso conforme preconizado por LANE, tornou possível destacar os principais núcleos de pensamento do discurso dos enfermeiros. Esta técnica permitiu, portanto, a obtençäo da representaçäo da realidade objetiva tal qual fora reproduzida pelos sujeitos. Ainda, na abordagem qualitativa articulou-se os núcleos de pensamento destacados nos discursos dos enfermeiros às categorias do psiquismo determinados por ALEXIS LEONTIEV, permitindo, assim, a análise teórica fundamentada nos pressupostos deste autor sobre atividade, consciência e personalidade. Diante destes diferentes momentos de análise, pode-se configurar uma expressiva presença de respostas emocionais dos enfermeiros de UTI e UI no contexto da prática profissional. A abordagem quantitativa permitiu destacar as emoçöes Alegria, Tristeza e Raiva como as mais frequentes para ambos os grupos, näo sendo possível, porém, reiterá-las na sua totalidade como as mais significativas através da análise qualitativa. Nesta, ressaltaram-se as emoçöes negativas, sendo a Alegria mencionada de forma esporádica; a Raiva destacou-se tanto no relato da enfermeira de UTI quanto no da enfermeira de UI como a emoçäo mais marcante durante o desempenho profissional. A presença da Raiva foi associada a questöes de relacionamento tanto na 1ª como na 2ª fase de análise. Outras emoçöes foram mencionadas de forma expressiva no discurso, sendo elas: angústia (enfermeira de UTI), tristeza e frustaçäo (enfermeira de UI). Essa gama de componentes emocionais da prática de enfermagem configurou um valioso conteúdo analítico de onde emergiram contradiçöes e diante das quais foi possível explicitar a presença de vários conceitos socialmente elaborados interferindo na experiência emocional do enfermeiro de UTI e UI. Destaca-se como conceito socialmente estruturado, comum a esses enfermeiros, que a emoçäo interfere negativamente no desempenho profissional. Finalizando, considera-se que o contexto de fragmentaçäo da identidade profissional, que se desvelou através do presente estudo, mais do que uma proposta de intervençäo exclusivamente no âmbito da formaçäo e da prática, pressupöe a reconquista social da esfera da subjetividade que, dialeticamente compreendida, possibilita a existência de novos comportamentos humanos, ainda que dentro de limites socialmente determinados, como uma prerrogativa indispensável à qualificaçäo do viver e do interagir no mundo da assistência à saúde.