O sonho da maternidade: representaçäo social de mulheres que vivenciaram abortamentos recorrentes
Publication year: 2002
Este estudo teve como objetivos caracterizar o perfil sócio-demográfico e a história reprodutiva das mulheres que sofreram abortamentos recorrentes, inscritas no Ambulatório de Esterilidade de um centro de referência para a saúde da mulher do município de Säo Paulo, com base nas informaçöes contidas em seus prontuários, e com base em depoimentos buscou-se identificar as representaçöes sociais dessas mulheres acerca do abortamento, da maternidade, da saúde, da assistência à saúde e de sua inserçäo no serviço. A análise dos dados de 211 prontuários permitiu traçar o perfil dessas mulheres em uma análise quantitativa. Verificou-se que (48,8 porcento) encontram-se na faixa etária de 30 a 39 anos; (65,0 porcento) säo de cor branca ou parda, (45,5 porcento) professam a religiäo católica, (52,6 porcento) säo casadas ou vivem em uniäo estável, (24,2 porcento) completaram o primeiro grau e que (41,7 porcento) procuraram o serviço por iniciativa própria. Quanto à história reprodutiva, observou-se que, para (78,7 porcento) das mulheres, a menarca ocorreu entre 10 a 15 anos, (68,7 porcento) nunca pariram e que (76,3 porcento) relatam dois ou três abortamentos. As alteraçöes anatômicas responderam por (14,7 porcento) dos casos de abortamentos e (52,1 porcento) näo necessitaram de curetagem pós-abortamento. Dentre as 52 pacientes que informaram duas gestaçöes, a totalidade resultou em abortamentos. Dentre aquelas com 3 gestaçöes, a maioria, 51(63,8 porcento), sofreram três abortamentos e 25 (30,9 porcento) dois. Entrevistas semi-diretivas realizadas com quinze dessas mulheres, em tratamento ou näo na ocasiäo, evidenciaram que as representaçöes sociais atribuídas ao abortamento apresentam-no como uma ruptura abrupta do sonho de ser mäe e de dar um filho ao companheiro, acompanhada de frustraçäo, sensaçäo de culpa, vazio e medo de uma nova perda, sentimentos potencializados pela má qualidade da assistência recebida. A maternidade é representada pelas entrevistadas como a realizaçäo plena, um desejo acalentado desde a infância, a transiçäo para a maturidade, para a plena assunçäo das responsabilidades que advêm da vida conjugal, cujo objetivo é "constituir família". Os sentimentos em relaçäo aos abortamentos säo agravados pela pressäo do grupo social, em que a maternidade aparece como um valor, ...