Eletroconvulsoterapia no Instituto Municipal Nise da Silveira: desvelando o cuidado de enfermagem (1978-1990)

Publication year: 2018

Pesquisa sócio-histórica, de natureza qualitativa, tendo como objeto os cuidados de enfermagem prestados aos portadores de transtornos mentais submetidos à eletroconvulsoterapia (ECT) no Instituto Municipal Nise da Silveira (IMNS), no período de 1978 até 1990. O recorte temporal corresponde, respectivamente, ao ano de consolidação do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) e ao ano da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da promulgação da Lei nº 8080/90, fatos que marcam rupturas importantes no curso das políticas de saúde mental. Oriundo do primeiro hospício do Brasil, o IMNS representa o berço da construção e desenvolvimento de saberes e práticas de saúde mental, sendo uma instituição relevante para a memória da trajetória da psiquiatria no país. A ECT foi introduzida no tratamento em psiquiatria por oferecer maior segurança para o paciente, quando comparada às demais terapias convulsivas. Sua aplicação contava com a equipe de enfermagem para prestar cuidados pré, trans e pós terapia.

Objetivos:

Descrever a aplicação da ECT no IMNS na década de 1980 e analisar os cuidados de enfermagem prestados às pessoas submetidas à ECT.

Metodologia:

As fontes escritas foram documentos escritos do Acervo de História e Memória do IMNS, como livros de ordem e ocorrências do período do estudo, e as fontes orais foram produzidas na perspectiva da História Oral Temática, a partir de entrevista com nove colaboradores, sendo 1 auxiliar de enfermagem, 4 técnicos de enfermagem e 4 enfermeiros que prestaram cuidados às pessoas submetidas à ECT no cenário estudado. Foi aplicada a crítica interna e externa aos documentos e os dados foram triangulados e organizados de forma cronológica e temática. Como embasamento teórico utilizou-se os conceitos de desinstitucionalização, pelos autores que escrevem na lógica do movimento de Reforma Psiquiátrica e de saber e poder disciplinar, estes de Michel Foucault. A pesquisa foi aprovada em Comitê de Ética em Pesquisa das instituições proponente e coparticipante.

Resultados:

Os resultados do estudo demonstram a aplicação da ECT era formalmente indicada e realizada pelo médico, sem que o paciente passasse por uma avaliação clínica minuciosa; Informalmente ocorria o uso da ECT, aplicada pelos profissionais da enfermagem e “guardas” como forma punitiva, em caso de desobediência das normas institucionais pelos pacientes, contribuindo para estigmatização da técnica e mantendo as relações de poder disciplinar no hospício. A equipe de enfermagem demonstrou dificuldade em reconhecer um saber próprio em psiquiatria relacionando-a com a ausência de ensino sobre a temática durante a formação profissional. Evidenciou-se também que a equipe de enfermagem realizava cuidados historicamente específicos da categoria, como higiene e alimentação do paciente, administração de medicamentos e contenções. Tais atividades se relacionam com a manutenção da ordem asilar, também de responsabilidade da enfermagem. Os resultados também apontaram cuidados de enfermagem relacionados a ECT nos momentos pré, trans e pós aplicação da técnica, realizados empiricamente, aprendidos através da observação e repetição no acompanhamento dos pacientes. Os cuidados de enfermagem ao paciente submetido à ECT tinham a função de preparo e proteção para que a técnica fosse realizada com menos risco possível, no entanto, não era registrada a participação da enfermagem nessa terapêutica. A técnica da história oral permitiu registrar que a atuação da equipe de enfermagem no IMNS em sua prática cotidiana na ECT era responsável pelo jejum do paciente e pela proteção na cavidade oral na fase pré-ECT; pela observação do paciente e contenção física na fase trans-ECT e pela verificação de sinais vitais, alimentação, higiene e observação na fase pós-ECT.

Considerações finais:

Este estudo apresenta resultados que descrevem como era na visão da equipe de enfermagem e aplicação da ECT no IMNS e quais os cuidados de enfermagem realizados pelos colaboradores da pesquisa nas fases aqui denominadas de pré, trans e pós ECT. Destacou-se no período estudado o modelo manicomial, no qual o poder-saber médico era preponderante no espaço asilar, e a ECT era usada como tratamento e como exercício do poder disciplinar, sendo o médico e a equipe de enfermagem profissionais indispensáveis para a realização essa técnica. Houve, pela prática, a construção de saberes específicos de enfermagem psiquiátrica em ECT. (AU)