O poder decisório da mulher no parto: as práticas discursivas dos profissionais e sua relação com a formação em obstetrícia
Publication year: 2018
O poder de decisão das mulheres no parto é influenciado pela medicalização, que se caracteriza pelo uso elevado de tecnologias e intervenções, justificadas pela presunção de torná-lo um evento mais seguro. Tal perspectiva consolidou o modelo medicalizado na assistência obstétrica, na qual o parto e o nascimento são equiparados às doenças e não considerados como eventos fisiológicos. A formação profissional pode solidificar estas concepções e práticas, e colocar em segundo plano o poder de escolha das mulheres. Diante disso, o objeto de pesquisa desta dissertação foi o poder decisório da mulher no parto nas práticas discursivas das enfermeiras e médicos em qualificação na área obstétrica. Os objetivos são analisar os sentidos atribuídos ao poder de decisão da mulher no parto nas práticas discursivas das enfermeiras e médicos em processo de qualificação; e discutir as possíveis relações entre os sentidos que emergem dessas práticas e a formação de obstetrícia. Tais discursos foram obtidos a partir de entrevistas individuais com enfermeiras e médicos que cursam a residência na área de obstetrícia em uma maternidade pública no município do Rio de Janeiro, no período de abril a junho de 2017. Os sujeitos discursivos foram onze enfermeiras e onze médicos residentes. O método de análise do discurso foi baseado na genealogia de Michel Foucault, cujo pensamento teórico envolve o discurso, o poder e a subjetivação, que constituíram o alicerce basilar desta pesquisa. Após aplicar a metodologia de análise genealógica, foram construídas duas categorias: 1) Os discursos de controle e vigilância dos médicos e enfermeiras residentes: o Panopticon obstétrico, 2) Os limites do poder de escolha da mulher pelo saber-poder profissional. Os resultados mostraram que o poder de decisão da mulher no parto é limitado por uma rede de relações de poder, representados pelo poder institucional, medicalização da assistência, biopoder, poder disciplinar e o saber profissional. Esta rede explicita a biopolítica da medicalização na obstetrícia, que evidencia a vigilância e o controle da mulher e de seu corpo. Nos discursos há a convergência entre os dois modelos de assistência, medicalizado e desmedicalizado, e o risco é apontado como restrição da possibilidade do normal e no limite para o uso de cuidados não invasivos. Além disso, a falha do pré-natal em informar sobre a fisiologia da gestação e do parto foi narrada por ambos modelos, causando uma visão estereotipada das mulheres, como desinformadas, pouco cooperativas e histéricas. O poder-saber do profissional traz os conceitos das mulheres como não possuidoras de autonomia; com restrito poder de decisão e submetidas ao poder-saber do profissional, que é visto com o conhecimento ou saber verdade. Ainda que os discursos do parto fisiológico defendam a autonomia feminina, conferindo maior amplitude ao poder de decisão da mulher no parto, esses não são capazes de romper as redes das práticas discursivas medicalizadas, por serem discursos periféricos, ou seja, não são considerados um saber verdade. Sob a ótica de Foucault, o poder produz realidades, portanto, as pouquíssimas possibilidades de decisão das mulheres no parto reveladas na pesquisa se relacionam com o não-poder.
The women power of decision making during labor is influenced by medicalization, determined by the higher use of technologies and interventions, justified by the presumption of making it a safer process. This perspective has strengthened the medicalized model in obstetrics in which labor and birth are equivalent to diseases and in which labor and birth are not considered physiological events. Professional training can strengthen these conceptions and practices, and put women´s decision making in second places. Hence, the object of this research is women’s power of decision making during labor on the discursive practices of nurses and doctors getting professional qualification in obstretrics. The objectives were to analyze the meanings attributed to the power of women´s decision making during labor on the discursive practices of nurses and doctors in professional training in obstetrics; and to discuss the possible relations between meanings that emerge from these practices and the obstetrics professional education. These discourses were taken from individual interviews with obstetrics resident nurses and doctors in a public maternity in the city of Rio de Janeiro, from April to June, 2017. The participants were eleven resident nurses and doctors. The discourse analysis method was based in Michel Foucault’s genealogy, whom theoretical thought involves discourse, power and subjectivation that configured the fundamental foundation of this research. After applying such methodology, two categories were created: 1) Discourses of doctors and nurses controlling and monitoring: Obstetric Panopticon; 2) The limits of women´s decision making power through professional power-knowledge. Results have shown that women´s decision making power during labor is limited by a network of power based relations, represented by institutional power, medicalized assistance, bio-power, disciplinary power and professional knowledge. This network shows the biopolitics of medicalization in obstetrics assistance which clarifies the monitoring and control over women and their bodies. The discourses showed the convergence between the two models of assistance, medicalized and de-medicalized, as risks are pointed as a restriction of the possibility of normal and limiting of the noninvasive care. Further, antenatal care failure to inform about the physiology of pregnancy and labor were cited by both modes, which causes a stereotyped image of women, as uninformed, less cooperative and hysterical. The professional power-knowledge elucidates concepts about women as non-possessors of autonomy; with restricted decision-making power and exposed to professional’s power-knowledge, seen as the possessors of knowledge or knowledge truth. Even if the discourses of physiological labor and birth defend women’s autonomy giving more amplitude to women´s decision making in labor, these will not make a rupture on the discursive medicalized practices networks, as they concern on peripherical discourses, in other words, they are not considered as a knowledge truth. By Foucault's perspective, the power produces realities, therefore the few possibilities of the women´s decision making during labor revealed in this research relates to the no-power.